Fim dos Jogos põe reaproximação entre as Coreias à prova

Os próximos meses vão indicar se o relançamento do diálogo entre Seul e Pyongyang irá trazer progressos rumo à pacificação da península.

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Claque enviada pela Coreia do Norte aos Jogos Olímpicos HOW HWEE YOUNG/EPA

“É imperativo assegurar que o espírito de Pyeongchang permaneça vivo após o fim dos Jogos, para que a paz possa ganhar raízes na Península Coreana.” Foi com este desejo que a ministra dos Negócios Estrangeiros sul-coreana, Kang Kyung-wha, se dirigiu ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, que se reuniu um dia depois da cerimónia de encerramento dos Jogos Olímpicos de Inverno que ficaram marcados pela reaproximação das duas Coreias.

Os Jogos deram ao mundo a possibilidade de assistir a imagens poderosas, como a entrada na cerimónia de abertura da delegação coreana conjunta, sob a bandeira da Coreia unificada, ou da equipa feminina de hóquei no gelo que incluiu jogadoras dos dois países. Mas o verdadeiro desafio joga-se nos próximos meses, durante os quais irá ser posto à prova o processo de diálogo.

Esta foi uma promessa de campanha do Presidente sul-coreano Moon Jae-in, filho de refugiados da Guerra da Coreia, que fez uma aposta de alto risco ao juntar o sucesso dos Jogos – uma ambição de longa data por parte da Coreia do Sul, que já se tinha candidatado anteriormente – ao desanuviamento da tensão na península. Depois de meses em que as tentativas do Governo sul-coreano em aproximar-se de Pyongyang foram recusadas, no início do ano, Kim Jong-un revelou de forma surpreendente a intenção em enviar uma delegação norte-coreana aos Jogos.

Em Pyeongchang, para além de actos simbólicos como a entrada conjunta na cerimónia inaugural, houve oportunidade para vários encontros entre dirigentes das duas Coreias. Moon recebeu a influente irmã do líder norte-coreano, Kim Yo-jong, que lhe comunicou a disponibilidade para uma reunião entre os líderes das duas Coreias – algo que não acontece desde 2007.

Por outro lado, Moon não conseguiu sentar à mesma mesa norte-coreanos e norte-americanos. Estava preparado um encontro entre Kim Yo-jong e o vice-Presidente Mike Pence, que liderou a comitiva dos EUA na cerimónia de abertura, mas foi cancelada por iniciativa da Coreia do Norte. Porém, fontes da Administração sul-coreana garantiam este fim-de-semana que Kim Yong-chol, responsável máximo norte-coreano pelas relações com o Sul, disse que Pyongyang está disponível para conversações com os EUA.

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O Presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in, aqui com Ivanka Trump, fez uma aposta de risco ao juntar o sucesso dos jogos ao desanuviamento com o Norte Murad Sezer/REUTERS

O grande problema é, como sempre, a modalidade destes encontros. Os EUA – que acusam a Coreia do Norte de apenas tentar ganhar tempo e libertar-se da pressão das sanções – querem garantias de que Pyongyang irá congelar o desenvolvimento da sua tecnologia nuclear para entrar em diálogo, enquanto a Coreia do Norte se opõe a qualquer condição prévia às conversações.

Actualmente vigora em Washington a convicção de que a comunidade internacional deve continuar a aplicar “pressão máxima” sobre a Coreia do Norte até que o regime aceite entrar num processo de desnuclearização. Na sexta-feira, o Presidente norte-americano Donald Trump anunciou um novo pacote de medidas, tendo como alvo sobretudo embarcações e empresas acusadas de ajudar o regime a contornar as sanções impostas pelo Conselho de Segurança da ONU por causa dos testes nucleares e balísticos.

Evitar provocações

Para os próximos meses, há dois desfechos possíveis: a manutenção da postura dialogante, abrindo a possibilidade de que, a longo prazo, os EUA e a Coreia do Norte possam encetar negociações sobre o programa nuclear; ou a quebra nas relações inter-coreanas e o regresso ao ciclo de tensão e provocação.

“A parada é alta”, escrevia no início dos Jogos o especialista do Council of Foreign Relations, Scott Snyder. “O regresso do confronto irá limitar a margem de manobra da Coreia do Sul”, avisa, uma vez que a falta de progressos na arena diplomática irá dar razão aos defensores da tese da “pressão máxima”.

Há que olhar para o mar porque um dos testes que irá indicar o rumo das relações inter-coreanas serão os exercícios militares conjuntos entre a Coreia do Sul e os EUA que deverão ser marcados após o fim dos Jogos Paralímpicos, a 18 de Março. Se as manobras forem discretas, o regime norte-coreano terá menos argumentos para responder com um teste nuclear ou balístico.

“Para assegurar que os Jogos Olímpicos não sejam vistos como uma gigante manobra de propaganda, é necessário que não seja tomada nenhuma atitude provocatória por parte da Coreia do Norte nas semanas seguintes”, diz ao PÚBLICO a analista Jenny Town.

Até ver, a grande vitória dos “jogos da paz”, como apelidou a organização, é sobretudo sentimental, como explicou a escritora sul-coreana radicada nos EUA, Min Jin-Lee, num texto publicado na New Yorker: “Para os coreanos em todo o mundo, os Jogos de Pyeongchang têm o poder de evocar o desejo de reconciliação com um irmão gémeo desavindo, mas também recordam a história dolorosa de irmãos em conflito.”

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