Um PS no sapato abriu o cisma dos "Inadiáveis". E a "Nova Esperança"
Na história do PPD/PSD, a relação com o PS resultou na sua maior ruptura interna. Os dois partidos disputam a escassa classe média de um pequeno país.
Nos 44 anos da democracia portuguesa, houve um momento de bastidores, longe das manifestações de rua e contagem de espingardas do PREC [Processo Revolucionário em Curso] do Verão quente de 1975 ou das laboriosas negociações na Assembleia Constituinte, cujos efeitos ainda hoje perduram. Foi quando Mário Soares blindou o seu PS como marca única da Internacional Socialista em Portugal, e barrou o caminho do Partido Popular Democrático ao reconhecimento da social-democracia europeia. Desde então, nos seus momentos de tensão, de crise ou mesmo de cisão, o PSD tem sempre um PS no sapato.
O maior de todos chamou-se Opções Inadiáveis. "Foi um documento assinado por 45 dos 73 deputados do grupo parlamentar do PSD em discordância com a estratégia de Francisco Sá Carneiro ao não apoiar o Governo de Mota Pinto designado pelo Presidente Ramalho Eanes”, recorda, ao PÚBLICO, Rui Machete. Estava-se em 1978 e, depois da queda dos dois primeiros executivos constitucionais de Mário Soares, mesmo o de coligação com o CDS, na Assembleia da República não havia fórmula matemática para uma opção sólida quando o Fundo Monetário Internacional (FMI) aterrou pela primeira vez em Lisboa. Eanes lançou os governos presidenciais, o primeiro dos quais, o de Nobre da Costa, teve, aliás, o apoio do PSD. Mas o que lhe sucedeu, de Mota Pinto, não.
“Mota Pinto tinha grandes simpatias no grupo parlamentar, mas Sá Carneiro, bastante autoritariamente, rompe com ele e não quis que o apoiássemos”, diz agora Machete ao PÚBLICO. Depois de ter proposto ao Presidente Eanes a denominada Convergência Democrática – um Presidente, uma maioria e um Governo – que este recusou, Sá Carneiro avançou para a Aliança Democrática –com o CDS e PPM – e cortou todas as pontes com o PS. Boa parte da bancada laranja não gostou da aproximação com os de Freitas do Amaral entendida como direitização, e fez pulso político de cara descoberta. Sá Carneiro demite-se da presidência do partido, suspende a actividade de deputado e parte para o estrangeiro.
“O facto do PS e do PSD serem, por excelência, representantes da classe média está no centro das disputas, mesmo das de ontem [quinta-feira]”, pondera Rui Machete. Só que na ruptura das Opções Inadiáveis não houve votos em branco ou nulos, mas a frontalidade de uma disputa de vozes próprias. Os nomes não eram de somenos: Magalhães Mota, Jorge Miranda, Guilherme d´Oliveira Martins, António Sousa Franco e Sérvulo Correia.
Quando Sá Carneiro ganha de novo o controlo do partido no Congresso de Janeiro de 1978, os deputados revoltosos deram o passo decisivo: autonomizaram-se da disciplina da Buenos Aires, então a sua sede em Lisboa, e 37 deles passaram a independentes criando a ASDI - Acção Social Democrata Independente, que em 1980 integraria a Frente Republicana e Socialista, com o PS e a UEDS [União de Esquerda para a Democracia Socialista] de Lopes Cardoso e António Vitorino.
“Não estive na formação da ASDI porque, embora dissidente, tinha sido eleito nas listas do PPD, por isso demiti-me de deputado”, explica Machete, que voltaria ao partido em finais de 1980. “As Opções Inadiáveis foi o mais importante cisma do PPD”, recorda.
Partido Estado dependente
A história laranja teve outras crises, mas o confronto sobre o posicionamento relativo do PSD face ao PS aparece, em exemplo cristalino, na ala Nova Esperança. Uma ala com nomes e apelidos conhecidos - Santana Lopes, Marcelo Rebelo de Sousa ou José Miguel Júdice - que se opunham ao Bloco Central, quando o Governo Soares/Mota Pinto (que colocou Portugal na então CEE) negociou com o FMI.
“É evidente que 2018 não é 1983 ou 1984, mas há coisas que se mantêm”, pondera José Miguel Júdice. “O sistema político está equilibrado e funciona melhor se os blocos forem suficientemente diferenciados, mas não podem ser tão diferentes que cada vez que haja uma mudança há uma revolução”, alerta. Dito de outra forma: “Se houver uma ocupação do centro, o jogo político faz-se nos extremos, no PS à esquerda, no PSD à direita, em vez de falarmos para a maioria dos portugueses que estão ao centro.”
“Na Nova Esperança tínhamos um programa que hoje seria consensual na esquerda portuguesa, com a prioridade à educação e a defesa de um escrutínio na Assembleia da República das pessoas indicadas para cargos públicos”, prossegue Júdice: “Dizíamos que era um erro a coligação PS/PSD quando as sondagens davam ao CDS 17% e a nós 15%.” Hoje, assegura, as recentes autárquicas de Lisboa são um upgrade da mesma situação. “O eleitorado do PSD já demonstrou ser muito fluido”, aponta.
Será ausência de ideologia e política? “O PSD transformou-se num partido apenas de poder, não tem reflexão ideológica, tem gente de baixa qualidade, onde cabe tudo o que quer ir para o poder”, critica. “Há um imediatismo na vida política, o que interessa é o caminho mais curto e mais rápido para chegar ao poder, aliás a luta contra Rui Rio é de grupos, nada tem a ver com a ideologia”, afirma José Miguel Júdice: “Na dicotomia esquerda/direita, Rio é de direita.”
Os tempos são outros. “O PSD foi um partido de classe média, de self made men, de gente que vivia longe do Estado, hoje é um partido mais Estado dependente, como o PS e o PCP”, lamenta.