Arquitecturas imaginárias e cidades subversivas na ArcoMadrid

Prémio illy atribuído ao artista Marcelo Cidade da Galeria Bruno Múrias. Vários stands portugueses reflectem sobre o cruzamento entre arte e arquitectura.

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A Galeria Juana de Aizpuru onde trabalhos de Pedro Cabrita Reis foram vendidos no primeiro dia. LUSA/FERNANDO VILLAR
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E a Galeria Bruno Múrias com o trabalho premiado de Marcelo Cidade na parede frontal Renato Ghiazza

Bruno Múrias, cuja galeria está pela primeira na ArcoMadrid vez em nome próprio, viu uma obra do seu stand, um poético e poderoso mural do artista brasileiro Marcelo Cidade, ser distinguido com o XI Prémio illy de Sustentabilidade, que distingue na feira de arte contemporânea espanhola artistas latino-americanos com menos de 40 anos.

Marcelo Cidade, 39 anos, cortou os dedos na instalação de Expansão por Subtração, que faz um desenho abstracto composto por espelhos cortados e incrustados na maior parede do stand da Galeria Bruno Múrias. Potenciado pelos reflexos dos vidros na parede branca, o trabalho de Marcelo Cidade, que tem ainda naquele espaço três esculturas de chão, é um diálogo com outra intervenção assinada por Rui Calçada Bastos. O artista português faz uma incisão que desenha o perfil de uma escada no estuque barrado grosseiramente noutra das paredes, imagem que é duplicada do lado oposto por uma fotografia.

O diálogo entre os dois artistas apresentado na ArcoMadrid, explica o galerista, baseia-se num mesmo interesse pelas paisagens urbanas numa apropriação muitas vezes subversiva e informal, naquilo que se pode chamar uma “estética de resistência”.

O júri do Prémio illy, constituído pela colombiana María Inés Rodríguez, directora do Museu de Arte Contemporânea de Bordéus, e pelo brasileiro Adriano Pedrosa, director do Museu de Arte de São Paulo (MASP), salientou que a obra é uma reflexão crítica sobre a arquitectura de Oscar Niemeyer, símbolo de modernismo e progresso que hoje vive rodeada por sistemas de segurança, alguns deles feitos destes espelhos partidos colocados estrategicamente no topo dos muros de protecção. Marcelo Cidade define-se como um artista conceptual, diz o comunicado de imprensa da ArcoMadrid, que questiona a experiência urbana a partir do que “é público e privado, colectivo e individual, e o que é transitório nestes dois universos”.

Bruno Múrias, que até há pouco tempo era um dos sócios da Galeria Múrias Centeno, chega à ArcoMadrid pela primeira vez com um stand da sua inteira responsabilidade, embora faça a feira já há 16 anos, muitos dos quais como director da Galeria Filomena Soares, uma das maiores galerias portuguesas. “O prémio vem reforçar que vale a pena acreditar e nunca desistir de trabalhar os artistas que representamos com compromisso e dedicação diários”, disse ao PÚBLICO o galerista, acrescentando que este foi um prémio “absolutamente merecido”. No valor de 15 mil euros, o Prémio illy não passa pela aquisição da obra, continuado agora Expansão por Subtração a sua vida normal no mercado.

Outra intervenção que explora a relação da arte com a arquitectura é o solo project de Rodrigo Oliveira na Filomena Soares, a galeria com o maior stand entre as 160 galerias que compõem o programa geral, sem contar com as galerias convidadas para expor nos três programas com curadorias especiais, que elevam a mais de 200 as galerias presentes em Madrid.

Desintegração Irrisória, que ocupa 40 metros quadrados na Filomena Soares, fala da relação entre pintura, escultura e arquitectura. Ergue uma parede-muro em forma de “U”, quase à escala de um edifício — uma quase ruína feita com muito cimento, PVC, madeira e pintura. Tal como uma escultura, Desintegração Irrisória pode ser reconfigurada noutro espaço, afirma o artista. A obra fala também da dificuldade que é mostrar arte numa feira: “É quase a negação do próprio espaço da feira, como se fosse um não-lugar”, explica Rodrigo Oliveira, relembrando como o arquitecto Le Corbusier, outro nome da arquitectura moderna do século XX, é também uma referência no seu trabalho. “Esta obra fala das casas que podem circular por várias paisagens. De modelos habitacionais universais, que podem ser trasladadas para outros lugares, como a Villa Savoye.” Outra citação é o romance A Jangada Pedra, de José Saramago, que conta a história de uma Península Ibérica à deriva, separada do continente Europeu.

Nos muros de Rodrigo Oliveira, vemos igualmente depositadas marcas de água, a passagem de um rio invisível, outra memória de Le Corbusier que as via como criadoras de horizontalidade no mundo da arquitectura que ambiciona ser vertical, afirma o artista. “São presságios de qualquer coisa que está para vir”, como também é assim que entende a presença do elemento sonoro da peça. Um altifalante difunde o som de um amolador, aquela quase flauta que anunciava nas cidades os homens que afiavam facas. “Esta obra é o culminar de muitas coisas, muitos medos.”

Na secção Diálogos, que tem uma curadoria especial de María Corral, Lorena Martínez de Corral e Catalina Loranzo, a Galeria Graça Brandão põe a falar duas gerações, Ana Vieira (1940-2016) e Nuno Sousa Vieira (1971), voltando a arquitectura a falar com o mundo da arte.

Sob uma instalação site-specific em madeira de Sousa Vieira, que cresce até aos cinco metros para definir os próprios limites do espaço de exposição, vêem-se obras históricas de Ana Vieira, pertencentes às séries que trabalham o plano branco. Mas é também com esta estrutura arquitectónica que se articulam as peças mais antigas de Nuno Sousa Vieira, todas de 2017, com uma cortina feita de lâminas de plexiglass e a série das janelas de ferro, esculturas de parede que aqui ganham uma expressão funcional inesperada.

Espaços imaginários

Na secção Opening, dedicada às galerias com menos de sete anos e comissariada por Stefanie Hessler e Ilaria Gianni, estão três galerias portuguesas, entre as quais a Francisco Fino, que chega pela primeira vez à ArcoMadrid. Mostra três trabalhos individuais de Diogo Evangelista, sobre um chão de linóleo com uma matriz de quadrados pretos e brancos. O próprio chão também pode ser vendido como um trabalho, a que o artista deu o nome de 90P01, que é também o número do stand na feira.

Este chão, diz o galerista Francisco Fino, “identifica a coordenada para um lugar de experimentação, um playground espiritual”, que tem uma existência dúbia, hipnótica ou mágica. É sobre ele que podemos ver o vídeo Irrational Man (2015), mas também outro trabalho aparentemente mais tangível, um CD que se propõe com uma tela em forma de tondo (circular) à escala do corpo, mas que na realidade é uma impressão e não uma pintura.  Tal com o espaço aponta para uma arquitectura imaginária, também não é possível aceder à informação que este CD contém.

Residências artísticas em Madrid

Ainda é cedo para fazer balanços, mas algumas galerias portuguesas já tinham feito algumas vendas, salientando Bruno Múrias e Vera Cortês a qualidade dos coleccionadores deste ano. Há também os artistas portugueses que já tinham sido objecto de vendas importantes em galerias estrangeiras, como três desenhos-pinturas com quase três metros de altura de Pedro Cabrita Reis adquiridos na Galeria Juana de Aizpuru pela espanhola Fundação Masaveu logo no primeiro dia da feira.  

Sara Antónia Matos, directora das Galerias Municipais de Lisboa, estava muito satisfeita com a colaboração estreada este ano com a ArcoMadrid, resultado de uma residência artística de dois artistas portugueses na capital espanhola, que terá um reflexo semelhante na ArcoLisboa em Maio.

Ana Manso e Pedro Henriques, que estiveram seis meses na cidade espanhola, mostram o seu trabalho num espaço especial, cujo resultado deixou Sara Antónia Matos muito satisfeita. “Ana Manso já vendeu os trabalhos todos, através da Galeria Pedro Cera, porque nós não podemos vender nada.”

De uma forma geral, Sara Antónia Matos gostou do que viu nas galerias portuguesas presentes na feira em Madrid. “Acho que os artistas portugueses dão sempre cartas. Os stands portugueses estão bem, porque os artistas trabalham muito bem. Têm um trabalho muito bom.”

Durante a feira, a revista internacional ArtReview lançou um número totalmente dedicado a Portugal. São 60 páginas em inglês que funcionam como outra porta entrada para vários artistas nacionais, ou para artistas estrangeiros a viver em Portugal, como Juan Araujo, outro dos nomes que actualmente tem uma reflexão importante sobre a relação entre a arte e a arquitectura.

O PÚBLICO viajou a convite da ArcoMadrid

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