Lisboa e Porto podem perder 1100 vagas no próximo ano. Universidades estão contra

O Governo quer reduzir 5% dos lugares nas instituições das duas maiores cidades para levar estudantes para outras regiões. Muitos alunos terão "de optar por uma instituição privada, desistir do seu ingresso no ensino superior, ou onerar os orçamentos familiares com deslocação para fora das suas áreas de residência”, alerta Universidade de Lisboa.

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Daniel Rocha

As universidades e politécnicos de Lisboa e do Porto terão que abdicar de 5% das vagas no próximo concurso nacional de acesso ao ensino superior. Objectivo: levar mais estudantes a candidatarem-se a instituições fora das grandes cidades do país. É esta a proposta do Governo no projecto do despacho que fixa o numerus clausus para o próximo ano e que foi enviado esta quinta-feira aos responsáveis do sector.

Várias universidades já se manifestaram contra. Dizem que serão as famílias que vão acabar por ter de gastar mais dinheiro com os estudos dos filhos e que a medida vai criar instabilidade e problemas nas instituições que vão sofrer a redução de estudantes. “Não me parece que seja assim que se resolvem os problemas do interior do país", acrescenta o reitor da Universidade do Porto, Sebastião Feyo de Azevedo.

“Parece-nos um mau princípio de base”, disse também João Rodrigues, da Federação Académica de Lisboa, referindo que a proposta vai contra ao anunciado pelo Governo, que afirmou que “pretendia alargar a base social do ensino superior e pretendia mais jovens” nas universidades.

O Governo quer implementar a medida ao longo dos próximos dois anos e em exclusivo nas licenciaturas. O ministro Manuel Heitor apresenta-a como um estímulo para que as instituições de Lisboa e do Porto “especializem a sua oferta nas pós-graduações”. Ou seja, mais estudantes devem fazer licenciaturas noutros pontos do país e mudarem-se para as principais cidades para fazer mestrados e doutoramentos, propõe a tutela. “A tendência nas principais universidades europeias é terem cada vez mais estudantes de pós-graduação do que de formação inicial. Devemos convergir nesse sentido”, defende Heitor.

O governante salienta também o desequilíbrio crescente na procura existente no ensino superior português, que precisa de uma resposta. Em 2010, 42% dos estudantes do ensino superior público estavam inscritos em universidades e politécnicos de Lisboa e do Porto. No início deste ano lectivo esse valor atingiu os 48%. Se forem tidas em conta também as instituições privadas sediadas nas duas principais cidades do país, o número sobe para 65%.

O corte de 5% das vagas será aplicado a nove instituições: Universidade de Lisboa, Universidade Nova de Lisboa, ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, Instituto Politécnico de Lisboa, Universidade do Porto e Instituto Politécnico do Porto, bem como Escola de Hotelaria e Turismo do Estoril e as escolas superiores de Enfermagem de Lisboa e do Porto. Ao todo, no concurso nacional de acesso de 2017 estas totalizavam 22 mil lugares para novos alunos. Terão que reduzir 1100 vagas.

As restantes podem aumentar até 5% o número total de lugares. Ou seja, o Governo acaba com o congelamento do número de vagas que vinha vigorando nos últimos seis anos.

A proposta do Governo ainda tem que recolher parecer do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) e do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos e a decisão final terá que ser tomada até Maio, a tempo do próximo concurso nacional de acesso ao ensino superior.

A primeira reacção do presidente do CRUP, Fontainhas Fernandes, que é reitor da Universidade de Trás-os-Montes, foi cautelosa, lembrando que a redução de vagas em Lisboa e no Porto deve ser vista “de forma integrada” com a revisão da lei de diplomas do ensino superior aprovada no Conselho de Ministros da semana passada. Só na próxima semana aquele órgão vai pronunciar-se formalmente sobre a matéria.

Lisboa está contra

Já a Universidade de Lisboa reagiu em comunicado defendendo que as alterações propostas pelo Governo “têm de ser repensadas”, considerando que as mesmas “frustrariam as expectativas de muitos candidatos ao ensino superior que assim veriam aumentadas as médias de ingresso nestas instituições”, levando muitos alunos “a ter de optar por uma instituição privada, desistir do seu ingresso no ensino superior, ou onerar os orçamentos familiares com deslocação para fora das suas áreas de residência”.

Quem também discorda da medida é o Bloco de Esquerda, para quem o Governo se prepara para criar “universidades de primeira no litoral, onde só entram alunos de 20 valores, e universidades e politécnicos de segunda no interior, para onde são escoados os que não conseguem entrar nas do litoral”, defende o deputado Luís Monteiro.

Numa resposta enviada à Lusa, o reitor da Universidade Nova de Lisboa, João Sàágua, diz que a instituição "foi desagradavelmente surpreendida com este projecto de despacho que ainda está a analisar”, adiantando ter “grandes dúvidas relativamente à eficácia da alegada solução para o problema (da falta de procura relativamente às instituições de ensino superior do interior) e às universidades escolhidas para sofrer cortes”.

Porto diz que problemas não se resolvem por decreto

O reitor da Universidade do Porto, Sebastião Feyo de Azevedo, defendeu por seu lado, em declarações à Lusa, que “não é por decreto que se resolvem estes problemas”, apelando para que as medidas sejam repensadas, acrescentando que a redução de vagas pode, no limite, inviabilizar alguns cursos, com consequências para o corpo docente e para a capacidade instalada das universidades.

“Não me parece que seja assim que se resolvem os problemas do interior do país. Vai criar instabilidade e algumas dificuldades governativas nas instituições que vão sofrer a redução de estudantes, mais algumas a somar a outras que temos tido”, disse, defendendo os consórcios entre instituições como uma opção viável para dinamizar o interior do país e levar para lá “actividades que de outra forma dificilmente terão”.

Para o presidente do Instituto Politécnico de Lisboa (IPL), Elmano Margato, há questões de pragmatismo que não estão a ser acauteladas. “A nossa posição é que estaríamos disponíveis para ceder vagas se elas fossem efectivamente utilizadas. O que sentimos é que esta medida tendo boas intenções pode não ser exequível, pode não ser profícua. Pode haver uma transferência formal de vagas de Lisboa e Porto para as instituições do interior e não serem preenchidas, aliás, como não são já hoje as vagas que lhes estão alocadas. Estamos a fazer uma transferência de vagas que não vai ser utilizada e cuja consequência é a diminuição do número de alunos no ensino superior. Esse é que é o ponto que pode ser nefasto para este novo rearranjo de vagas”, disse.

"Vale a pena estudar fora das grandes cidades"

O presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP), e presidente do Instituto Politécnico de Leiria, Nuno Mangas, considera que a questão que se coloca é esta: que sentido faz o ensino superior público português, que tem uma rede “de grande qualidade e muito bem distribuída pelo país”, ter metade dos seus alunos concentrados em Lisboa e Porto? “O que me parece aqui mais importante e relevante é a mensagem de que vale a pena estudar fora destas duas grandes cidades. Temos uma rede de ensino superior pública que está muito bem distribuída pelo país, que tem qualidade e onde existem oportunidades. Acho que esta diferenciação por um lado visa introduzir algum mecanismo de regulação da distribuição dos estudantes, mas também dá este sinal de que há oportunidades fora destas cidades.”

“Em si mesma, a medida é positiva, mas é apenas um paliativo, porque, nos próximos anos, nós vamos ter um decréscimo brutal no número de candidatos ao ensino superior e não será apenas uma redução de 5% das vagas em instituições de Lisboa e do Porto que será suficiente para resolver os problemas de desertificação no Interior”, afirmou por seu lado o reitor da Universidade da Beira Interior, com sede na Covilhã. Diz que é preciso ir mais longe.

Estudantes questionam medida

As federações académicas de Lisboa e Porto, pela voz dos seus presidentes, criticam igualmente a redução de lugares nas grandes cidades. João Rodrigues, da Federação Académica de Lisboa, frisa que "não se deve retirar vagas a Lisboa e Porto". Deve-se sim aumentar as vagas no interior e aumentar também "os serviços oferecidos por essas comunidades, que permitam aos futuros estudantes do ensino superior poderem vir a estudar e até a fixar-se nessas regiões".

"É mais fácil reduzir o numerus clausus, do que aumentar essa fasquia através do investimento" no interior do país "e, como é óbvio, a associação académica de Lisboa critica a proposta", afirma.

Tanto a federação lisboeta como a portuense vão querer reunir com o Governo e conhecer melhor os seus propósitos. Mas joão Videira, da Federação Académica do Porto, diz desde já que não acredita que seja com esta medida que se vai "conseguir o objectivo deste Governo, de ter mais estudantes no interior do país".

"Não se deve cortar de maneira nenhuma e o Governo, pensando que está a resolver um problema, está a criar outro", diz João Videira, que cita o relatório da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico), divulgado este mês, que propõe a meta de 60% até 2030, de licenciados na faixa etária entre os 30 e os 34 anos.