De proposta em proposta até à decisão que não incomode o lobby das armas

Entre as medidas que estão a ser estudadas pelo Presidente Trump destaca-se a ideia de armar e treinar professores para fazerem frente aos tiroteios, apoiada há anos pela NRA.

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Os alunos norte-americanos mantêm os protestos Reuters/KEVIN LAMARQUE

Pouco depois de 20 crianças de seis e sete anos terem sido mortas a tiro na escola primária de Sandy Hook, em Dezembro de 2012, o norte-americano Dean Rieck pensou se não seria boa ideia pôr armas nas mãos dos professores e treiná-los para travarem as frequentes ameaças nas escolas norte-americanas. "As pessoas diziam que a nossa proposta era de loucos", disse Rieck ao New York Times na quarta-feira. Cinco anos mais tarde, essa ideia não só deixou de ser louca como entrou em força no debate sobre as armas, tendo como porta-voz o próprio Presidente dos Estados Unidos e o apoio total da poderosa National Rifle Association (NRA).

Esta quinta-feira, Donald Trump ainda tentou dar uma lição "às fake news CNN e NBC", dizendo que não apelou à entrega de armas aos professores durante uma conversa na Casa Branca com familiares de vítimas de tiroteios, na quarta-feira, mas a correcção era mais um preciosismo do que outra coisa: nessa conversa, o Presidente defendeu a entrega de armas a professores "com experiência no uso de armas, com treino militar ou especial".

E é isso mesmo que a organização Buckeye Firearms, fundada pelo norte-americano Dean Rieck após o tiroteio em Sandy Hook, anda a fazer desde 2013 – numa nota publicada no domingo, o grupo diz que já treinou "mais de 1300 professores e funcionários, incluindo educadores, em 76 dos 88 condados do Ohio". Em Setembro do ano passado, a filial da CBS no Maryland noticiou a presença de professores desse estado "entre mil educadores de 12 estados num curso de três dias no Ohio", organizado pelo grupo fundado por Dean Rieck.

Segundo o site da Buckeye Firearms, esse curso é grátis, embora os professores tenham de pagar a estadia e a alimentação. E o grupo, fundado por um autodeclarado "patrono da NRA", diz que subsiste com "contribuições privadas" e algumas dezenas de milhares de euros do orçamento do Ohio, que "não chegam para pagar metade das despesas correntes".

Foi também para pessoas como Dean Rieck e a sua Buckeye Firearms, e para a NRA, que o Presidente Trump falou quando recebeu na Casa Branca familiares de vítimas de tiroteios, na quarta-feira: tal como defende a NRA, a solução passa por ter professores e funcionários armados nas escolas, e não por banir a venda de armas que podem matar dezenas de pessoas em poucos minutos.

"Aquele treinador foi muito corajoso, deve ter salvado muitas vidas", disse Trump, referindo-se a Aaron Feis, um treinador da escola Stoneman Douglas, na Florida, que foi morto pelo atirador Nikolas Cruz enquanto protegia alguns alunos com o seu corpo. "Mas se ele tivesse uma arma, não teria fugido. Teria disparado e aquilo acabaria logo ali."

"Menos livres"

Esta quinta-feira, o presidente da NRA, Wayne La Pierre, falou pela primeira vez em público após o tiroteio da semana passada, para sublinhar uma posição que já tinha deixado clara depois do tiroteio em Sandy Hook, em Dezembro de 2012, quando disse que "bons tipos com armas travam maus tipos com armas".

Apesar de dizer que concorda "com o objectivo das escolas seguras" (isto é, de armar alguns professores e funcionários, como propõe o Presidente Trump), o poderoso líder da NRA lançou-se à jugular do Partido Democrata e deixou também um aviso ao Partido Republicano e ao Presidente Trump para que não comecem a dar sinais de cedência na questão das armas para além daquelas com que a NRA concorda.

"O que eles querem é mais restrições às pessoas que cumprem as leis. Pensem nisso, a solução deles é fazer de vós, de todos vós, pessoas menos livres."

Entre as propostas de alteração que vão sendo lançadas para o debate público por alguns políticos do Partido Republicano, e pelo próprio Presidente Trump, estão o reforço do sistema de pedidos de informação ao FBI sobre potenciais compradores de armas; o aumento da idade mínima para a compra de armas dos 18 para os 21 anos; e a proibição da venda de dispositivos que aumentam o poder de fogo das armas semiautomáticas, como a que foi usada pelo atirador Nikolas Cruz na semana passada.

Mas as duas últimas medidas levariam a NRA a abrir a sua larga bolsa para patrocinar processos nos tribunais – desde logo, a ideia de se proibir o acesso à compra de armas a cidadãos americanos com idade para combaterem numa guerra seria uma boa candidata. E a proibição da venda de dispositivos que aumentam o poder de fogo de algumas armas já foi estudada pela Administração Obama: a agência que fiscaliza a veda de armas concluiu que só o Congresso tem autoridade para tocar nessa questão, e se há coisa em que o Congresso não se entende é nas leis de controlo de armas.

Espremendo as propostas avançadas até agora pela Casa Branca e por alguns congressistas do Partido Republicano, conclui-se que a NRA continua sem grandes razões para se preocupar: armar e treinar professores e reforçar os chamados background checks são medidas apoiadas pelo lobby das armas; mexer na idade mínima para a compra de armas e na proibição de acessórios são medidas que dificilmente passam no Congresso – e, se passarem, são candidatas a serem contestadas em tribunal ano após ano.

É neste ponto que está o debate sobre a questão das armas nos EUA. De um lado, um sector minoritário, mas muito influente, onde se juntam fervorosos defensores da Segunda Emenda da Constituição americana, adeptos do tiro e da caça, e a indústria das armas, proprietários da esmagadora maioria dos mais de 300 milhões de armas no país; do outro lado, uma maioria que ainda não encontrou a fórmula certa para pressionar o Congresso a fazer as mudanças que exige durante os habituais protestos que se seguem a mais um tiroteio em escolas, em salas de cinema, em discotecas, em concertos.

Apesar de o debate sobre o controlo das armas ter regressado em força nos últimos dias – em grande parte graças à insistência dos alunos da escola secundária da Florida onde foram mortas 17 pessoas na semana passada –, as pessoas que lidam todos os dias com o tema continuam a desconfiar que a discussão vai desaparecer, como sempre, para regressar com o próximo tiroteio.

Uma dessas pessoas é Mark Barden, pai de Daniel, uma das crianças de sete anos que foram mortas a tiro na escola primária de Sandy Hook, há cinco anos. Barden esteve na Casa Branca na quarta-feira, para ouvir o que o Presidente Trump tinha para dizer sobre a melhor abordagem para travar os tiroteios. Tal como já tinha ouvido o que o Presidente Obama tinha para dizer sobre a melhor abordagem para travar os tiroteios.

"Já estive neste edifício muitas vezes, já implorei aos legisladores. Eles só perguntam o que é que podem fazer. Até que decidimos que estava na hora de regressar a casa e tentarmos ser nós a mudar alguma coisa", disse Mark Barden.

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