Direitos adquiridos permitem prédio na escarpa do Porto que hoje seria ilegal
Para o local estão previstos dois edifícios, um dos quais com uma cércea de 51 metros. Para já, só o mais baixo está em construção.
O empreendimento que está a ser construído na escarpa portuense, junto à Ponte da Arrábida, vai nascer numa área de protecção de recursos naturais e não seria licenciado à luz das regras do actual Plano Director Municipal (PDM), mas beneficia de direitos adquiridos, pelo que a Câmara do Porto teve que proceder à sua legalização.
O caso chegou à reunião do executivo desta quinta-feira, depois de o socialista Manuel Pizarro pedir informações que permitissem “o esclarecimento da opinião pública”, já que, disse, os vereadores socialistas foram já várias vezes interpelados sobre esta edificação. Pedro Baganha, o actual vereador do Urbanismo, começou por atribuir a responsabilidade do licenciamento da construção a Manuel Correia Fernandes, o socialista que teve o pelouro do Urbanismo até Maio de 2017, explicando que os dois prédios previstos para a escarpa – só um está, por enquanto, em obra – foram “objecto de um PIP [Pedido de Informação Prévia], ambos homologados pelo vereador Correia Fernandes, a 15 de Dezembro de 2016”. Foi o director municipal do Urbanismo, José Duarte a explicar que o processo não era assim tão simples.
“Este empreendimento foi licenciado ao abrigo de um PIP e um processo de construção baseado em direitos adquiridos, julgo que até de 2000. A única coisa que foi feita foi permitir uma solução urbanística diferente daquela que foi licenciada há muitos anos. A actual solução será melhor ajustada ao local, em termos arquitectónicos. Foi isso que se procurou fazer ao tempo do vereador Correia Fernandes”, disse José Duarte. E em resposta ao vereador da coligação Porto Autêntico (PSD/PPM), Álvaro Almeida, sobre se a edificação não estava a nascer numa zona de protecção de recursos naturais, foi peremptório: “É uma zona protegida, só que prevalecem os direitos adquiridos, ao abrigo do antigo PDM”.
Em causa está o artigo 3.º do PDM de 2006 (actualmente em processo de revisão) que especifica: “O presente PDMP não derroga os direitos conferidos por informações prévias favoráveis, autorizações e licenças, aprovações ou alterações válidas, incluindo projectos de arquitectura e hastas públicas alienadas, mesmo que ainda não tituladas por alvará, concedidas pelas entidades administrativas competentes antes da entrada em vigor do PDMP”.
Isto mesmo frisou Manuel Pizarro, depois de ouvir a explicação do director municipal do Urbanismo, ao argumentar que o licenciamento de Correia Fernandes, em 2016, “tornou-se obrigatório, por causa dos direitos adquiridos” existentes. Pedro Baganha tentou, de novo, realçar a importância da decisão do seu antecessor na edificação em causa, afirmando “uma coisa são metros quadrados em abstracto, outra coisa é um projecto concreto”. Foi o presidente Rui Moreira quem resumiu o caso, afirmando: “O que é facto é que [o empreendimento] está aprovado. Estamos esclarecidos. Havia direitos adquiridos, foi apresentado um novo PIP e passada uma licença de construção”.
Álvaro Almeida é que não quis deixar logo cair a questão, insistindo: “Portanto, está a ser efectuada uma construção numa zona de protecção de recursos naturais, certo?”. “Certo”, respondeu-lhe José Duarte, acrescentando: “Como este caso concreto há muitos outros. Presumo que já não haverá muitos, provavelmente, extinguem-se neste licenciamento, mas existiram vários”.
Rui Moreira afirmou ainda que irá pedir aos serviços para verificar se, efectivamente, os trabalhos que estão a decorrer na zona de edificação são de “desmatação e não de desmontagem da escarpa”, conforme a informação prestada pelo Urbanismo, uma vez que a segunda operação não seria permitida – salvo, se estiver em causa a segurança.
Em causa está a construção de dois edifícios, dos quais apenas o mais pequeno (com R/C, seis pisos e um recuado) está já em construção. O segundo, com 51 metros de cércea (R/C, 14 pisos e um recuado), tem praticamente a altura da Ponte da Arrábida e deveria ser destinado a um hotel, mas segundo Pedro Baganha acabaria também transformado em prédio de habitação por os promotores não terem conseguido encontrar um operador hoteleiro interessado. O prédio em construção deverá dar origem a 38 habitações e o segundo a 43.
Indemnização adiada
Durante a reunião, o presidente da Câmara do Porto decidiu ainda retirar a proposta que levaria a autarquia a pagar uma indemnização superior a 600 mil euros a duas empresas que, em 2001, constituíam um consórcio que se viu impossibilitado de construir um parque de estacionamento na zona da Boavista fruto da indefinição relativa à expansão da rede de metro.
Manuel Pizarro e Álvaro Almeida apresentaram várias dúvidas sobre a proposta e, apesar dos esclarecimentos do director municipal dos Serviços Jurídicos, José Correia de Matos, o autarca considerou que “a pertinência das questões” justificava que a proposta fosse reformulada.
Os vereadores da oposição disseram que não entendiam a razão para ser a câmara a assumir o ónus da indemnização, quando a própria proposta frisava que nem a autarquia nem o consórcio tinham responsabilidade no impasse de mais de dez anos criado em torno do processo. Além disso, ambos disseram não entender também como fora encontrado o valor da indemnização.
Correia de Matos explicou que a indemnização decorria de “danos emergentes e lucros cessantes” e que “a esmagadora maioria do valor tem a ver com obra que a empresa fez no pressuposto de construção”. O director municipal garantiu ainda que houve “uma discussão muito dura” em torno do valor da indemnização, já que o valor inicialmente previsto pelas empresas era “muito superior”.
A proposta, que deverá ser reagendada, prevê que o acordo em que a Câmara do Porto se compromete a pagar à SABAPORTUGAL mais de 517 mil euros e à Soares da Costa quase 95.500 euros seja aprovado pelo Tribunal de Contas, antes de ser aplicado.
Na reunião em que, por unanimidade, os vereadores aprovaram o reconhecimento de dez novos espaços no regime de protecção do Porto de Tradição, foi ainda divulgado que, neste momento, estão protegidos no âmbito desse programa 49 espaços, há 13 que viram, para já, essa pretensão recusada, nove em fase de consulta pública (desde esta reunião), oito a ser avaliados e dois, nos quais se inclui a confeitaria Cunha, em reanálise, depois de terem sido apresentadas pronúncias durante a discussão pública.