Chus Martínez: “O futuro não é excessivamente bombástico”

A curadora da ArcoMadrid explica porque é importante ter nas feiras de arte secções que não sejam só pensadas pelas galerias.

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A curadora galega Chus Martínez dr

A curadora galega Chus Martínez escolheu uma frase do escritor Jorge Luis Borges para pensar o futuro da arte e, por consequência, do mundo: “O futuro não é o que vai acontecer, mas sim o que vamos fazer.”

No primeiro dia em que a feira de arte contemporânea ArcoMadrid abriu para o público profissional, e ainda antes da polémica por causa de ter sido retirada da Galeria Helga de Alvear a obra Presos políticos en la España contemporánea, de Santiago Sierra, falámos com a responsável pela nova secção especial da feira, dedicada ao futuro, que este ano substitui o país convidado.

Com uma equipa curatorial só de mulheres, composta também por Elise Lammer e Rosa Lleó, foram seleccionadas 19 galerias (não há nenhuma portuguesa), que compõem uma exposição colectiva, a secção Futuro. É uma nova forma de apresentação que contrasta com a organização em stand do programa geral, onde se juntam 160 galerias, ou da secção dedicada aos espaços comerciais mais jovens, como a Opening.

O futuro, diz nesta pequena entrevista a directora do Instituto de Arte da FHNW, em Basileia, não tem “espectacularidade nenhuma”, ou seja, não é tecnológico e não esperem encontrá-lo cheio de ecrãs. “É um futuro sem futurismo”, como escreveu no seu texto sobre o conceito-tema, que fala afinal do presente, numa perspectiva aberta, o contexto em que a arte precisa de ser produzida e existir.

As secções especiais com curadoria estão a ganhar espaço nas feiras? Qual é o seu papel?
Há uma vontade em algumas feiras, não em todas, de chegar às pessoas, ao público – principalmente nas feiras que têm contextos como os nossos, que não são necessariamente só aqueles em que existem grandes coleccionistas.
Quer-se chegar às pessoas não só através das contribuições individuais das galerias, mas também dando contextos gerais que sirvam às pessoas para voltar aos museus depois da feira.
A grande pergunta que se pode colocar à ArcoLisboa não é tanto ver arte na feira, mas aprender a ver arte sempre. Não é preciso esperar por Fevereiro [ou Maio], porque está sempre aí.
As secções especiais nas feiras de arte servem para lembrar a importância de ir, de voltar, de não ter medo de ver arte. Servem para entender que se não tivermos talento jovem, nem cultura, nem arte, não teremos sociedade civil. Não tem nada que ver com o gosto pessoal, nem com o facto de se comprar ou não.
Claro que também há o coleccionismo, mas o importante é a textura de liberdade que cria a continuação da criação artística. Tem que ver com a sociedade em que queremos viver.

O vosso tema, que é o futuro, é quase a sua negação. Quase como se fosse um antifuturo.
Não é um antifuturo. É um futuro lento. O futuro não é nem eléctrico nem a branco. O futuro não é excessivamente bombástico. O futuro é simplesmente como cada um o cozinha todos os dias, a continuação de uma prática que cada um faz que é fundamental para sustentar realmente a vida. É só o futuro, não tem espectacularidade nenhuma.

Porque é que escolheu trabalhar só com uma equipa de mulheres?
Aprecio muito o trabalho delas. Nos últimos anos, vimos por parte das mulheres reivindicações e formas de trabalhar processuais, conceptuais, outro tipo de linguagens que eram menos aceites no contexto artístico, inclusive pelas instituições. São menos bombásticos, menos monumentais, menos liderantes. Interessa-me que se ponha a ênfase nessa sensibilidade que sem dúvida está aí há muito tempo. Creio que é muito importante não só para as mulheres, mas também para os homens.

O PÚBLICO viajou a convite da ArcoMadrid

 

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