Juncker desvaloriza, mas chefe de gabinete tem de avaliar reunião polémica de Barroso
O poderoso Martin Selmayr foi promovido a secretário-geral da Comissão Europeia e terá de responder aos activistas pela transparência em Bruxelas, que reclamaram as acções de lobby de Barroso em nome do Goldman Sachs
O presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, esforçou-se nesta quarta-feira por enterrar a polémica levantada na véspera com a revelação de que o seu antecessor no cargo, José Manuel Durão Barroso, tinha estado a discutir matérias relacionadas com a política comercial e de defesa da União Europeia com o vice-presidente Jyrki Katainen, numa reunião que só a posteriori foi incluída no registo público de transparência da instituição.
Sublinhando que o actual cargo de Barroso como presidente não-executivo do banco de investimento norte-americano Goldman Sachs não faz dele “um gangster”, Juncker sublinhou que nenhum dos participantes no encontro desrespeitou o código de conduta a que cada um está obrigado, bem como “as regras que foram adoptadas pela Comissão".
“Nunca dissemos que o senhor Barroso, que é meu amigo porque ainda tem algum mérito na Europa, não estava autorizado a reunir-se com comissários, e vice-versa. Pusemos o nome dele na lista de lobistas e a reunião foi tornada pública, como determinam as regras”, declarou o presidente da Comissão, para quem a polémica levantada com o caso é vazia. “Isto não é nada”, considerou.
Mas se não é provável que Juncker volte a pronunciar-se sobre o caso, o mesmo pode não acontecer com o seu chefe de gabinete, Martin Selmayr, que a partir de 1 de Março assumirá novas funções como secretário-geral da Comissão Europeia. Numa carta endereçada precisamente ao secretário-geral, várias organizações não governamentais que compõem uma aliança pela transparência e regulação da ética em Bruxelas exigiram que a Comissão Independente de Ética revisse as conclusões de um comité ad-hoc criado para avaliar se, no seu novo posto, Barroso violava os seus deveres de “discrição e integridade” como antigo presidente da Comissão.
Barroso comprometera-se perante esse comité a não exercer acções de lobby junto da Comissão. Jyrki Katainen, que em respostas enviadas aos activistas pela transparência confirmou a reunião e avançou os temas tratados pelos dois, veio depois corrigir que se tratou, afinal, de um encontro privado de amigos, que entre questões particulares acabaram também por falar de matérias da União Europeia. “E se houve alguém a fazer lobby, fui eu”, afirmou.
Já a comissária europeia da Concorrência, Margrethe Vestager, que compareceu na sala de imprensa da Comissão depois de Juncker anunciar a remodelação do seu gabinete, fez questão de dizer que não se reuniria com Durão Barroso se este lhe pedisse uma audiência. “Logo na minha primeira semana no cargo, anunciei que jamais me reuniria com lobistas”, recordou, assinalando que, para facilitar o seu trabalho, prefere marcar reuniões “apenas com as pessoas que realmente mandam”. Por exemplo, comparou, “tenho todo o gosto em reunir-me com qualquer CEO envolvido num processo de fusão e aquisição”.
Numa declaração publicada no Twitter, Honor Mahony, a porta-voz da Ombudsman da União Europeia, disse que Emily O’Reilly tinha tomado nota das notícias relativas ao encontro entre Barroso e Katainen. “Essas informações serão tidas em conta no inquérito que já estava em curso [uma investigação ética que resultou da apresentação de uma queixa por alegada violação do artigo 245 do Tratado de Funcionamento da União Europeia], e cujas conclusões deverão ser anunciadas em breve”, dizia a nota.
O “Maquiavel” de Bruxelas
Juncker apresentou uma remodelação-surpresa do seu gabinete, ao dar conta da reforma do holandês Alexander Italianer, de 61 anos, e da nomeação do seu chefe de gabinete para o cargo de secretário-geral da Comissão.
Martin Selmayr, que ainda esta quarta-feira foi comparado a um Maquiavel ou Rasputine, é uma figura respeitada e temida nos corredores das instituições europeias: em inúmeros artigos de jornal, são invariavelmente mencionadas as suas qualidades intelectuais e capacidade de trabalho, bem como a sua lealdade e sentido de protecção de Juncker. Mas também vem sempre referido o seu carácter autoritário e as suas disputas com outros funcionários, comissários, diplomatas e até chefes de Estado e Governo — em particular os britânicos, que não escondem o seu desdém pela figura.
O secretário-geral da Comissão é a mais alta figura na hierarquia de cerca de 35 mil funcionários da instituição: cabe-lhe dirigir a complexa burocracia europeia para implementar a agenda política fixada pelos líderes europeus. “Escolhi-o porque ele tem todas as aptidões e competências necessárias para o cargo”, justificou Juncker. Para liderar o seu gabinete até ao final do mandato, Juncker escolheu a advogada espanhola Clara Martinez Alberola, que será a primeira mulher a ocupar o cargo.
O presidente da Comissão ficou agastado com uma pergunta sobre a quantidade de alemães nos cargos de topo das instituições: Klaus Welle, o secretário-geral do Parlamento Europeu; Klaus Regling, o director do Mecanismo Europeu de Estabilidade; Werner Hoyer, o presidente do Banco Europeu de Investimento… “No seio da Comissão Europeia não há nacionalidades, há sensibilidades nacionais que eu respeito. Mas nunca pedi o passaporte a ninguém”, respondeu.