O Rodolfinho morreu e com a sua morte veio um reboliço entre polícia, cidadãos e balas perdidas. A Linha Amarela, uma estrada arterial do Rio de Janeiro, ficou cortada durante dias. O Rodolfinho era um dos chefes do tráfico de droga na Cidade de Deus. Imaginei-o como a personagem Zé Pequeno do filme A Cidade de Deus, a ripostar contra as autoridades num porte durão de quem se acha invencível e até imortal — “O meu nome é Rodolfinho, porra..!”. Mas naquele dia a sua vida dissipou-se à velocidade de uma ou várias balas.
Existe uma app – OTT, Onde Tem Tiroteio — que informa onde há tiroteios em tempo real. Assim, todo o carioca sabe onde a actividade à queima-roupa é maior, aumentando a sua longevidade e a probabilidade de ver os netos crescer.
Na Barra da Tijuca, a vida segue tranquila ao ritmo de Jobim, com pano de fundo turquesa, areia e sal por toda a cútis. A banda sonora é da maresia e dos vendedores ambulantes que assaltam o paladar com ofertas alimentícias saborosas. É o biscoito globo, o queijo coalha, o chá Mate Leão servido com limonada bem geladinha. Há sorvetes, empadas e açaí. O pão de queijo e as coxinhas são omnipresentes e estão para o Lula assim como os croquetes e os rissóis estão para o Camões.
Os tiroteios não chegam a esta zona da cidade. É como estar num país diferente. Provavelmente, a alguns quilómetros dali, alguém se enrosca para se proteger das balas. A Barra da Tijuca é como se fosse o Dubai, um oásis de paz fancy, rodeado por países em guerra. Só que no Rio acontece tudo na mesma cidade. E bem lá do alto do Corcovado, Cristo abraça todos: os da paz, os do crime, os corruptos, o BOPE, as "patricinhas", os "pé rapados", a Xuxa e o Neymar.
Uma carioca de bunda avantajada coberta por uma nano fracção de licra chama pelo Bartolomeu, um cachorro preto que invade a minha toalha e me lambe o nariz. “Folgado esse bicho, viu?”. Quis puxar pela veia velhaca que há em todo o "portuga" e dizer que folgada era ela, por nomenclar um canídeo com um dos ex-líbris dos Descobrimentos. Mas vendo bem, ambos os “Bartolomeus” partilhavam o “faro” pelo desconhecido. Óbvio que a curiosidade do felpudo ia só para além das toalhas de praia e molhar as patas na rebentação.
Na rua, as pessoas soltam um “oi” meloso e carioca. Facilmente me vendo a esta variação do português de Portugal em detrimento do “olá” desértico do meu sotaque. E, se o leitor acompanhou os enredos noveleiros da Globo nos anos 80/90, não tem como inibir expressões que a Tieta, As Mulheres de Areia ou o Pantanal trouxeram para os horários nobres da TV. E claro, destaque para o Caco Antibes, com todas as coisas pobres que lhe faziam espécie em Sai De Baixo.
O Carnaval acabou, as escolas de samba preparam já tropas de euforia carnavalesca para o ano. Na rua, ainda tem o tiritar do samba e da MPB, que põe qualquer astral em alvoroço dançante. No Carnaval, a palavra de ordem é beijar o próximo na maior quantidade que o plural permitir. Mais adiante, talvez tenham sido as armas que, no plural, apagaram vidas numa quantidade proporcional a quem trocou fluidos nos blocos. No Rio a vida pode não chegar a um dia, mas o Carnaval será sempre três.