Câmara de Lisboa pronta para aprovar plano para o Maria Matos, apesar da contestação
As linhas orientadoras do projecto de gestão privada do teatro podem ser aprovadas na reunião desta sexta-feira. Entretanto, há uma carta aberta a contestar vários dos argumentos da vereadora Catarina Vaz Pinto.
Um “pólo de forte atracção cultural”, capaz de “gerar uma dinâmica inovadora e de atrair públicos diversos”. Uma programação “ancorada na diversidade de propostas para o grande público e [em] espectáculos de média/longa duração”. Uma concessão que assume a forma de arrendamento por cinco anos, renovável mediante “avaliação regular do projecto artístico” pela EGEAC. São estas as linhas orientadoras para o Teatro Maria Matos que serão apresentadas para aprovação esta sexta-feira, em reunião da Câmara Municipal de Lisboa.
O novo modelo de gestão privada do teatro, divulgado em Dezembro, em entrevista ao PÚBLICO, pela vereadora da Cultura, Catarina Vaz Pinto, que o integrou no contexto de uma reorganização mais profunda da rede de teatros municipais de Lisboa, tem sido publicamente contestado pelo Bloco de Esquerda e pelo PCP –cujos votos não deverão no entanto ser suficientes para impedir a aprovação do plano. Mas também da sociedade civil vieram reacções. Em Janeiro, foi entregue à Assembleia Municipal uma petição exigindo a manutenção da gestão pública do teatro. Assinaram-na mais de 2750 pessoas, entre as quais o ex-director do Maria Matos, Mark Deputter, Sérgio Hydalgo, programador da Galeria Zé dos Bois, o coreógrafo Bruno Cochat ou o encenador e dramaturgo Ricardo Neves Neves.
Entretanto, a 16 de Janeiro, num debate na Assembleia Municipal pedido pelo PCP, e perante as críticas de várias bancadas a um processo que, nas palavras da deputada comunista Ana Margarida de Carvalho, decorreu “sorrateiramente, sem debate, sem auscultação pública”, o presidente da Câmara, Fernando Medina, foi peremptório. A decisão de entregar o teatro à gestão privada estava tomada e o executivo apenas aceitava discutir o respectivo caderno de encargos. Na mesma altura, Catarina Vaz Pinto acentuou que a escolha dos responsáveis pela gestão a fazer pela câmara não terá por base o preço, mas a “qualidade do projecto artístico”.
Insatisfeito com as garantias da vereadora, o grupo reunido em volta da petição Por uma gestão pública do Maria Matos emitiu esta quinta-feira uma carta aberta em que voltou a manifestar a sua oposição aos planos da Câmara. Surge na sequência de um debate organizado pelo grupo no próprio Maria Matos, dois dias antes, e que contou em com a participação de Catarina Vaz Pinto. Destacando a “disponibilidade sem precedentes” da vereadora, o grupo lamenta que o debate tenha acontecido “quando as decisões finais parecem já estar tomadas”.
O grupo contesta agora por escrito o argumento de que a lotação do Maria Matos é desadequada para a programação que tem acolhido, uma desadequação que, segundo a Câmara, tem obrigado à utilização constante de uma bancada amovível, de forma a garantir a proximidade entre o público e o palco – segundo a contabilidade apresentada na carta, no período de Junho de 2009 a Junho de 2017, a bancada amovível foi utilizada apenas em metade dos espectáculos, entre teatro e música.
Também a estagnação do número de espectadores, que a Câmara apontou como prova da necessidade de dar novo rumo à sala, surge contestada. Segundo os números apresentados na carta aberta, depois de uma diminuição de espectadores em 2015 e 2016, na sequência de um pico de 36.654 presenças em sala em 2014, 2017 foi um ano de grande recuperação, com o público a crescer de cerca de 24 mil para mais de 34 mil espectadores.
O PÚBLICO tentou obter de Catarina Vaz Pinto uma reacção a estas posições, mas a vereadora mostrou-se indisponível até à hora de fecho desta edição. Também os signatários do documento remeteram quaisquer esclarecimentos para a carta aberta.
Um teatro para o "grande público"
O novo plano da Câmara abrange 11 teatros e surge na sequência da saída de Mark Deputter do Maria Matos para a Culturgest, anunciada em Setembro último, e do encerramento do Teatro da Cornucópia, que ocupava o Teatro do Bairro Alto. Para este último, serão dirigidas as artes performativas contemporâneas que constituíam parte da programação do Maria Matos. Por sua vez, o Teatro Luís de Camões, que reabrirá em Setembro de 2018 depois de uma intervenção de fundo, dedicar-se-á a espectáculos para o público infanto-juvenil, outra componente também contemplada, até agora, pelo Maria Matos.
Na proposta que será levada esta sexta-feira à reunião da Câmara Municipal, refere-se que no, âmbito da reorganização dos teatros municipais, a “nova missão do Teatro Maria Matos” passará por “espectáculos de grande público, predominantemente teatro, sem esquecer a ligação ao território e as preocupações sociais e ambientais”. Das linhas orientadoras da programação consta a “capacidade de atracção de públicos generalistas mas, igualmente, de novos públicos e de várias faixas etárias, com diferentes interesses”.
O júri responsável pela avaliação dos candidatos à gestão do teatro será presidido pela EGEAC e “constituído por um máximo de cinco individualidades de reconhecido mérito, experiência e conhecimentos nos domínios das artes do espectáculo”. A avaliação da sustentabilidade do projecto será feita “com base na capacidade técnico-artística e financeira do proponente, bem como na adopção de boas práticas ambientais”, lê-se no documento. O candidato vencedor arrendará o teatro por cinco anos e assegurará o seu funcionamento. A renovação estará dependente de uma “avaliação regular do projecto artístico pela EGEAC” e do pagamento da renda respectiva, cujo montante não foi publicamente fixado.
Os signatários da carta aberta criticam porém a cedência do equipamento técnico do Maria Matos aos seus futuros gestores, lembrando que a Câmara investiu 92.934 euros em equipamento e melhorias estruturais nos últimos oito anos. “Parece pois, que neste caso concreto o investimento feito com capitais públicos vai ser servir a entidade privada que vier a gerir o Maria Matos”, lê-se. O documento endereça ainda uma série de questões ao executivo camarário, relacionadas, por exemplo, com as políticas de bilheteira (serão salvaguardados os descontos e preços que permitam o acesso a toda a população?) ou com o contrato a assumir com o gestor privado (como será ressarcida a Câmara em caso de incumprimento?).