Quem é Kehinde Wiley, o artista que pintou Obama?
Em alguns círculos é conhecido como o “Leonardo da Vinci do hip-hop”, retratando afro-americanos com cores vigorosas e revisitando a história, colocando os negros no seu centro.
Antes de esta segunda-feira se ter tornado notícia em todo o mundo por ter sido revelado o seu retrato de Barack Obama, o artista Kehinde Wiley já era conhecido no universo das artes.
Nas duas últimas décadas o artista americano, que nasceu em 1977 em Los Angeles e vive em Nova Iorque, ficou conhecido pelas telas de grandes dimensões, evocações que mostram afro-americanos contemporâneos em contextos seculares, em situações que simbolizam poder e estatuto. Por norma as suas pinturas contêm alusões a quadros históricos, figurando neles personalidades afro-americanas em pose clássica, mas muitas vezes com adereços do presente, em fundos de cores vibrantes.
É o caso de Napoleon leading the army over the alps, onde vemos um homem em cima de um cavalo, com umas modernas botas Timberland, embora a encenação evoque o retrato de 1801 de Jacques-Louis David de Napoleão Bonaparte. Outro exemplo é Equestrian portrait of King Philip II (Michael Jackson), retrato de 2010 do falecido Michael Jackson, onde vemos o cantor com pose e roupas da realeza.
Tanto o retrato de Barack Obama como de Michelle Obama – da autoria da menos mediática Amy Sherald e com um estilo mais subtil – foram apresentados esta segunda-feira na Galeria Nacional de Retratos do Museu Smithsonian, sendo a próxima morada das pinturas a Galeria Nacional de Washington.
Ao mesmo tempo que pinta celebridades, Kehinde Wiley ficou também conhecido pelo processo de criar retratos a partir de fotografias de pessoas comuns que encontra nas ruas. Um método que começou a utilizar no bairro do Harlem, onde viveu. Outra das suas paixões é o hip-hop. É aliás conhecido em alguns círculos como o “Leonardo da Vinci do hip-hop.”
Ao longo dos anos nomes bem conhecidos do rap foram por ele retratados no seu estúdio como Notorious B.I.G., L.L. Cool J, Big Daddy Kane, Ice T, Grandmaster Flash e outros. Aliás, em 2008, muitos desses quadros acabaram na National Gallery of Art numa exposição sobre o hip-hop. O retrato do rapper L.L. Cool J, por exemplo, evoca o magnata John D. Rockefeller, constituindo, ao mesmo tempo, uma rescrição da história da arte e também uma parábola dos círculos de poder.
O retrato de Obama é claramente um Wiley. A encenação e a pose de Obama são menos impositivas do que costumam ser nos quadros do artista, mas o fundo, uma parede de vegetação e flores, numa lógica de papel de parede repetitivo, ornamentado e luxuriante, é semelhante a outras obras suas.
Nos anos mais recentes o artista descolou um pouco das imagens de personalidades em fundos garridos. A série Trickster, de 2017, inclui onze pinturas de afro-americanos contemporâneos que, nas suas palavras, exploram a relação entre cada artista e uma comunidade mais ampla, com cenários que espelham contextos alegóricos ou surrealistas.
Como todos os artistas de sucesso, detractores também não lhe faltam, existindo quem considere que a sua arte se foi tornando previsível, uma fórmula esvaziada de conteúdo. Ele defende-se, argumentando que tem uma linguagem própria, devedora da história da arte, e um posicionamento que incomoda, porque ao longo dos anos foi reinventando a tradição e retratando quem está à margem das estruturas do poder com padrões estridentes, forçando quem vê as suas obras a interrogar-se sobre as fronteiras entre verdade e ficção.
A sua arte tem, evidentemente, um fundo político. A série de retratos de afro-americanos, em poses clássicas, teve início quando se deu conta da quase ausência de imagens de negros nos museus. Na sua visão, o cânone da arte está direccionado para representar quem detém o poder e os afro-americanos estiveram em grande medida sempre do lado dos excluídos.
Agora o retrato do primeiro Presidente negro dos Estados Unidos figura ao lado dos outros 43.º Presidentes brancos.