A Terra está a tremer nos Açores e não se sabe quando vai parar

A ilha de São Miguel vive agora uma crise sísmica, o que pode durar dias, semanas ou meses. E é preciso apurar se ela tem origem “só” na actividade tectónica ou nos dois sistemas vulcânicos activos na ilha.

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Ilha de São Miguel Rui Soares (colaborador)

Para muitos açorianos, não lhes é estranho sentir a Terra tremer. Esta segunda-feira sentiram-na, pelo menos, por 20 vezes. Mais já vão nas centenas o número de sismos que sacudiram a ilha de São Miguel desde cerca da meia-noite de segunda-feira. O fenómeno, que os entendidos chamam crise sísmica, caracteriza-se por “um agrupamento de eventos sísmicos”, numa região limitada da Terra e muito perto uns dos outros, por um período que pode ir de dias, semanas, até meses

Foi o que aconteceu em 2005, quando a terra tremeu em São Miguel, durante quatro meses seguidos, em Vila Franca do Campo, a mesma região onde agora já se registaram mais de 300 sismos, incluindo os 20 sentidos. 

“A zona de Vila Franca do Campo separa a ilha de São Miguel em duas fracções. É uma região que tem uma actividade vulcânica histórica conhecida e que tem tido, ao longo do tempo, a manifestação de sismos de alguma importância”, diz Miguel Miranda, o presidente do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), ao PÚBLICO.

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O maior que se conhece, acrescenta Miguel Miranda, é o de 1522 que “destruiu” Vila Franca do Campo. Teve origem em Monte do Rabaçal, num monte sobranceiro à localidade. A lama cobriu muitas ruínas de casas afectadas pelo sismo, obstruiu caminhos, destruiu terras de cultivo, matando pessoas e animais, muitas soterradas enquanto fugiam de casa com receio das réplicas. Terão morrido entre 3000 e 5000 pessoas. “É o equivalente ao que em Portugal Continental temos do sismo de 1755”, demonstra Miguel Miranda.

A razão para esta intensa actividade sísmica prende-se com o facto de a ilha de São Miguel estar na “fronteira” de três placas litosféricas: a norte-americana, que se desloca para Oeste, e as placas euroasiática e africana, “que se deslocam para Leste mas a velocidades diferentes”, explicou a geóloga e vulcanóloga Teresa Ferreira, que é também professora da Universidade dos Açores e investigadora do Centro de Informação e Vigilância Sismovulcânica dos Açores (Civisa), e está a trabalhar na análise desta crise sísmica.

Como as placas norte-americana e euroasiática são divergentes, isto é, afastam-se uma da outra, a região acaba por ir acumulando tensões originadas por essa movimentação. Uma das zonas em que é mais frequente o registo de actividade sísmica é precisamente na área onde está agora a decorrer esta crise - falha do Congro - onde os epicentros se distribuem, de norte a sul, atravessando toda a ilha de São Miguel. 

“De cada vez que há um reajuste tectónico numa determinada região, esse reajuste pode levar ao aumento da tensão noutro ponto próximo e há um novo desencadear de energia sísmica que pode levar a outro aumento e assim sucessivamente”, dando origem a esta sucessão de sismos, explicou o presidente do IPMA. 

Miguel Miranda considera, no entanto, que é esperado que esta crise, comparada com a de 2005, “seja menos impactante”. “Mas esse esperar é mais fé do que ciência. Não somos capazes de prever como a situação vai evoluir nos próximos dias”, ressalvou. Por isso, admite o geofísico, não é possível prever que, durante esta crise, não venha a acontecer um sismo de maior magnitude. Mas a verdade é que “existem condições geofísicas para que ela se venha a desencadear”, notou. A par disso, Miguel Miranda refere que existe algum historial de fenómenos como tsunamis, mas, ressalva, “associados a sismos de magnitude muito superior” ao que está a ser observado, tal como aconteceu no terramoto de 1522.

De acordo com dados do Civisa, desde as 23h47 de domingo (hora local) foram registados “mais de três centenas de sismos” com magnitude entre 1,9 e 3,2 graus na escala de Richter. Às 6h18 (hora local) foi registado o sismo com maior intensidade (V na escala de Mercalli Modificada, o que significa que foi sentido pela população, fazendo acordar muita gente, e que pode ter havido a queda de objectos menos estáveis). O último que a vulcanóloga Teresa Ferreira diz ter sido sentido pela população ocorreu às 11h25. “Continuamos a registar mais actividade sísmica mas não temos informação de mais nenhum sismo ter sido sentido pela população”, notou. Contudo, mais sismos hão-de continuar a ser registados e, possivelmente, alguns serão sentidos.

As autoridades locais têm apelado à população para que mantenham a calma. “Nesta altura só podemos dizer ‘prudência, prudência, prudência’”, admite Miguel Miranda. Na segunda-feira, a Protecção Civil e o Civisa alertavam a população para que se mantivesse atenta aos circuitos de gás, electricidade e água, para que, em caso de dúvida sobre a segurança dos mesmos, os desliguem imediatamente. Avisavam ainda para que fosse evitada a utilização de elevadores. 

Por esta altura, estão a ser recolhidos e analisados os dados das estações que observaram cada sismo. O trabalho passa depois por determinar os vários tipos de ondas sísmicas registados, sendo que só a partir daí é possível determinar com grande precisão qual a localização, a profundidade e o tipo de cada sismo. “Só quando temos toda esta informação junta e bem coligida, com erros muito baixos, é que podemos ter a certeza de que estamos a descrever bem o fenómeno natural”, sublinha Miguel Miranda.  

Ainda não é possível prever quanto tempo pode durar esta crise sísmica. Podem ser dias, semanas ou meses, como aconteceu em 2005. “Temos de ir acompanhando a actividade sísmica para perceber se estabilizou ou se se se vai prolongar por mais alguns dias; se está numa situação de decréscimo e se resulta só num episódio breve de actividade sísmica”, explicou Teresa Ferreira, admitindo ser muito prematuro avançar com qualquer conclusão. 

Segundo explicou a vulcanóloga, é preciso apurar que estes eventos não têm origem em actividade vulcânica, dado que naquela zona estão activos dois sistemas vulcânicos: o vulcão do Fogo e o sistema vulcânico fissural do Congro. “Sempre que temos um incremento da sismicidade não descuramos que os sismos tenham algum factor de natureza vulcânica. Tudo indica que se trate de actividade tectónica, mas a situação está a ser acompanhada para ver se surge algum indício que indique que a actividade sísmica possa ser de natureza vulcânica”, explicou.

“Há sempre esta combinação entre energia e localização”

Além do terramoto de 1522 que assolou a ilha de São Miguel, já no século XX, a terra voltou a tremer, provocando prejuízos irremediáveis mas populações. A 1 de Janeiro de 1980, na ilha Terceira, um sismo ocorreu às 15h42 (hora local), com uma magnitude de 7,2 graus na escala Richter. O epicentro foi no mar, a cerca de 35 quilómetros a su-sudoeste de Angra do Heroísmo. Morreram 73 pessoas, cerca de 400 ficaram feridas e mais de 21 mil ficaram desalojadas.

A Terceira acabaria por ser a ilha mais atingida, com a destruição de 80% dos edifícios na cidade de Angra do Heroísmo, assim como elevados danos na vila de São Sebastião e nas freguesias do Oeste e Noroeste da ilha, especialmente em Doze Ribeiras. Também as ilhas de Graciosa e São Jorge foram afectadas. 

Já em 1998, a ilha do Faial foi atingida por um sismo na madrugada de 9 de Julho. O terramoto com uma magnitude de 5,9 graus na escala de Richter acabou por provocar oito mortes e mais de 3500 desalojados. Destruiu muitas das casas tradicionais, construídas de pedra e barro, no concelho da Horta, e danificou, ainda, cerca 20% das casas da vizinha ilha do Pico.

“Já tivemos [terramotos] mais fortes do que os de 1998, por exemplo, mas como ocorreram mais afastados das ilhas não tiveram qualquer tipo de consequência. Há sempre esta combinação entre energia e localização”, explicou Teresa Ferreira. 

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