Em Jales, o património ainda pode valer ouro

A Aouro, associação de desenvolvimento local, vai criar um centro interpretativo das antigas minas, valorizando a sua história, a sua importância, e os seus protagonistas.

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O Cavalete de Santa Bárbara é o Ícone das Minas de Jales Paulo Pimenta
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Os edifícios, como o da lavaria, foram esvaziados após o fecho da mina Paulo Pimenta
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Patrícia Machado é arqueóloga da Aouro, que vai montar o centro interpretativo de Jales Paulo Pimenta
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Os edifícios foram sendo ocupados após 1993, muitas vezes por gente sem ligação à mina Paulo Pimenta
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Jales perdeu muita população desde a década de 90 Paulo Pimenta
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O antigo bairro mineiro subsiste, descaracterizado, como marca de um tempo Paulo Pimenta
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Um morador mostra uma pedra "com ouro" Paulo Pimenta
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A sede do antigo clube dos mineiros, hoje uma associação local Paulo Pimenta
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Maria Ferreira recorda-se do tempo em que centenas de pessoas frequentavam o café do clube Paulo Pimenta
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Estruturas da antiga mina, ao abandono Paulo Pimenta
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Estruturas da antiga mina, ao abandono Paulo Pimenta
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No campo de futebol, já não há mineiros para fazer uma equipa Paulo Pimenta
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Adriano MIranda, fotojornalista do PÚBLICO; levou as minas do Pejão a Jales Paulo Pimenta

No território das antigas minas de Jales, na freguesia de Vreia de Jales, Vila Pouca de Aguiar, são ainda bem visíveis as marcas do abandono repentino, e doloroso, da laboração, em 1993. Há feridas abertas na paisagem e, sobretudo, na memória daqueles que nasceram e cresceram ao ritmo do trabalho nas minas de ouro que fizeram do planalto de Campo de Jales destino de homens e mulheres de vários pontos do país.  A associação de desenvolvimento local Aouro quer sarar um pouco dessa mágoa ainda viva, investindo na construção do Centro Interpretativo Mineiro de Jales e na valorização deste património e dos seus protagonistas.

Jales ainda é uma espécie de Eldorado. De tempos a tempos, assoma à superfície das notícias, com anúncios de retoma da exploração de ouro que a população local encara com desconfiança ou, como explica o mineiro Fernando Lopes, "com humor". O filão da Gralheira, que tem motivado manifestações de interesse e sondagens que, até hoje, não deram em nada, já era conhecido dos antigos concessionários da mina, mas não foi, como “dizia o falecido engenheiro Alvim”, a “salvação da mina”, que fechou em 1993 após um período conturbado em que erros de gestão, a desvalorização do ouro nos mercados, conflitos laborais e dívidas a fornecedores, o mais importante dos quais a EDP, ditaram um desfecho que mudou a vida de toda uma comunidade.

A mina já não existe, mas quem ali se fez gente recusa ser tratado com a expressão “antigo” ou o prefixo “ex”. "Uma vez mineiro, sempre mineiro", avisa a arqueóloga Patrícia Machado, técnica da Associação de Desenvolvimento Local das Terras de Jales, a Aouro, entidade que, com o município de Vila Pouca de Aguiar desenvolveu o projecto do Centro Interpretativo de Tresminas, no mesmo concelho, e se prepara agora para valorizar o património de Jales. E este será, explica Patrícia Machado, um projecto pioneiro, num país que ainda não tem qualquer projecto do género em minas de ouro com exploração contemporânea.

Dos romanos ao século XX

Jales e Tresminas pertencem ao antigo Territorium Metallorum aqui estabelecido pelos romanos que, durante os dois primeiros séculos da nossa Era, daqui retiraram ouro, principalmente, mas também prata, chumbo e outros minérios. Mas enquanto Tresminas foi abandonada, possivelmente no século II, até à sua descoberta, enquanto património arqueológico, já no século XX, no planalto de Jales a exploração aurífera teve um renascimento, a partir de 1933, moldando, durante seis décadas, o aspecto, e a vida, de Campo de Jales.

Com o projecto do novo Centro Interpretativo, a Aouro, assume Patrícia Machado, quer proporcionar aos visitantes uma viagem no tempo, com um intervalo de quase dois mil anos. Curiosamente, Jales tinha um museu - que ligava a laboração em curso aos antecessores romanos - durante o funcionamento da mina. Mas esse fechou também em 1993. O novo espaço começou a ser pensado em 2016, quando ainda se perspectivava a hipótese de reactivação da concessão, e esse constrangimento afectou, inclusive, a possibilidade, coloca então em cima da mesa, de utilização de alguns edifícios importantes para o projecto cultural, como o da antiga lavaria, situado numa área a utilizar pela nova exploração.

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Patrícia Machado é arqueóloga na Aouro, a associação responsável pelo projecto do centro interpretativo Paulo Pimenta

Perante a necessidade de não perder o acesso a fundos europeus para o sector do turismo, a Aouro virou-se então para outro espaço, junto aos antigos balneários dos mineiros, onde subsiste um cavalete em ferro, o de Santa Bárbara, que dava acesso a um poço e a várias galerias, e a respectiva casa do guincho, que albergava o motor que o fazia funcionar. E vai ser a partir deste edifício que vai ser proporcionada uma nova viagem ao subsolo.

Nova galeria para os visitantes

Durante os 60 anos de exploração do século XX, em Jales perfurou-se a terra até mais de 600 metros de profundidade em galerias distribuídas por 16 pisos. A extensão dos corredores no subsolo é imensa, mas a utilização de qualquer um deles está impossibilitada, pois, por razões de segurança, todos esses canais foram enchidos com aterro. O projecto do Centro Interpretativo prevê a construção, sob a casa do Guincho, de um novo túnel, com cerca de cem metros de extensão e uma secção e aspecto semelhantes aos da mina, nos primeiros anos do século XX. Dali esperam poder aceder, e ter uma perspectiva, a partir de baixo, do cavalete de Santa Bárbara, mas principalmente proporcionar, através do ambiente cénico, uma ideia de como viviam os mineiros.

Patrícia Machado espera que, para além da reconstituição do espaço e dos objectos - vestuário, capacetes, lanternas, cartões de identificação - que marcavam aqueles espaços da mina, o Centro possa contar com o apoio de mineiros no acompanhamento de visitantes. Eles são um património vivo, que a Aouro espera poder valorizar de outra forma, e a perspectiva de poder participar com a sua experiência, no projecto, agrada a Fernando Campos.

A este jaloto de quase 57 anos não faltariam motivos para esquecer a mina onde o pai e todos os seus seis irmãos rapazes trabalharam também. Afinal, em 1980 uma explosão cegou-lhe um olho e obrigou este marteleiro a amputar um pé e a esquecer a vontade de singrar no futebol, onde desempenhava, com competência, lembra sem falsa modéstia, a posição de defesa central. Mas, apesar destes desgostos, Fernando Campos assume que, dos vários empregos que teve - e hoje é funcionário numa empresa de armazenagem e distribuição de...explosivos -, é do das minas que sente mais saudades. Porque foi ali, explica, que se fez homem.

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Fernando Campos ainda tem saudades do trabalho nas minas de Jales Paulo Pimenta

Dirigente da Associação Desportiva, Recreativa e Cultural de Campo de Jales, que sucedeu ao antigo Clube Desportivo dos Trabalhadores da Mina, Fernando Campos já não consegue, há anos, formar equipas de futebol. tirando Agosto, em que que os que daqui emigraram regressam para matar saudades falta gente em Jales, e o velhinho pelado, onde os mineiros ganharam muitas taças, é hoje apenas vigiado por um vetusto castanheiro. Ao lado, no bar do clube, Maria Ferreira gasta os dias ao balcão, na companhia dos seus gatos, numa calmaria que contrasta com outros tempos, em que centenas de homens ali assomavam para tomar o café, depois da refeição servida na messe, situada numa sala do mesmo complexo.

Do Pejão a Jales, o mesmo objectivo

Ali mesmo, ainda, outra porta abre-lhe a memória para o ritmo dos bailes e dos namoricos das tardes de domingo, contrastando, nas cores que lhe conseguimos imaginar no relato, com o preto e branco das fotografias de Adriano Miranda, por ali expostas. Carvão de Aço, exposição itinerante deste fotógrafo do PÚBLICO resulta de um trabalho realizado em 1992, quando Jales vivia já os seus últimos dias, pelo então aluno finalista da ARCO, no subsolo das minas de carvão do Pejão, freguesia de Castelo de Paiva, junto ao Douro, que também viu toda uma história terminar, dois anos depois.

O resgatar deste trabalho originou um movimento para a valorização do património do Pejão, ainda a começar, e é coincidência que os rostos enegrecidos destas toupeiras de Castelo de Paiva tenham viajado até Jales numa altura em que, por aqui, se faz também caminho para salvar alguma coisa de um património semelhante, atirado ao esquecimento. A expectiva é grande mas, calejado com desilusões, Fernando Campos só não quer ser defraudado. Aquilo que conhece do projecto é positivo, e espera que ele se concretize a tempo de poder ser usufruído, também, por aqueles que participaram nesta história.

A requalificação do espaço dedicado ao centro de interpretação e da envolvente está orçamentada em 557,5 mil euros, 400 mil euros dos quais comparticipados pela Linha de Apoio ao Desenvolvimento do Interior, do Turismo de Portugal. O complexo terá de abrir ao público no prazo de dois anos e será, espera Patrícia Machado, uma mais valia para Campo de Jales, localidade com alguns serviços de apoio - comércio, restaurantes, farmácia e posto médico - que passará a ter um papel central nas visitas ao eixo Jales/Tresminas. O projecto não será um toque de Midas, mas pode trazer alguma riqueza a um lugar habituado a extraí-la do solo.

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