O Museu da Lourinhã mudou e agora conta a história do Atlântico
Tem novas peças para mostrar ao público desde o início de Fevereiro, todas contribuem para percebermos melhor como aconteceu a abertura do Atlântico.
O sítio é o mesmo. Não há como confundir o Museu da Lourinhã mesmo no centro da vila. Afinal, era lá que estavam muitos fósseis de dinossauros da Lourinhã. Mas as aparências iludem e há uma nova história a ser contada. Com a abertura do Dino Parque – Parque dos Dinossauros da Lourinhã, muitos dos fósseis “migraram” para lá. Portanto, no museu na vila o percurso é outro desde 3 de Fevereiro: conta agora como aconteceu a abertura do Atlântico. Há também fósseis e réplicas que vamos poder observar pela primeira vez no museu.
Este edifício não foi construído para ser um museu. Em tempos, foi um tribunal. Como ficou livre, um grupo de amadores que fazia espeleologia, entre os quais o paleontólogo amador Horácio Mateus, ocupou-o. Acabou por abrir em 1984 pelas mãos da associação Grupo de Etnologia e Arqueologia da Lourinhã. Ao todo, tem três colecções: a de paleontologia, arqueologia e a de etnografia. Por ano, tem cerca de 25 mil visitantes.
Agora houve mudanças e o museu tem outra narrativa. “O que é que temos para mostrar que não sejam os dinossauros da Lourinhã? Pensámos na abertura do Atlântico. Toda a investigação que fazemos pelo mundo fora tem uma história transversal: a abertura do Atlântico. Até os próprios dinossauros da Lourinhã estão relacionados com isso”, conta-nos o paleontólogo Octávio Mateus sobre a escolha da nova história. É ele quem nos vai guiar por uma viagem com milhões de anos. É a nova viagem do museu.
Antes da história propriamente dita, são mencionadas (e explicadas) na exposição duas teorias: a da tectónica de placas e a teoria darwiniana da evolução das espécies. Vamos precisar delas para perceber melhor a abertura do Atlântico. Iniciemos então a viagem e comecemos no Triásico, período geológico entre há 250 e 200 milhões de anos. “O Atlântico começou a abrir-se durante o Triásico na nossa costa portuguesa até à Gronelândia”, relata Octávio Mateus. O supercontinente Pangeia começou a rasgar-se e a criar bacias sedimentares. É nestas bacias que vamos encontrar fósseis. Aliás, foi no Triásico que surgiram os dinossauros.
Nas expedições científicas na Gronelândia e no Algarve, lideradas por Octávio Mateus, descobriram-se alguns desses fósseis. Alguns podem ser vistos pela primeira vez no museu. Há o fóssil de uma mandíbula do Metoposaurus algarvensis (um anfíbio gigante que podia atingir os dois metros e faz lembrar uma salamandra), que foi encontrada no Algarve. Há ainda o crânio original de um prossaurópode, um antepassado dos dinossauros saurópodes, assim como ossos de um fitossauro, ambos da Gronelândia.
Passemos para o Jurássico, entre há 200 milhões e 145 milhões de anos. “No Jurássico Inferior e Médio era notório que em Portugal tínhamos um mar profundo. Basicamente, todos os sedimentos que temos do Jurássico Inferior e Médio eram marinhos”, continua a explicar. Portanto, na exposição temos ictiossauros e plesiossauros.
Mas o paleontólogo guarda o melhor para o Jurássico Superior, quando o Atlântico ainda não era um oceano, havia uma série de ilhas e o que é agora Portugal e a Terra Nova já se separavam. No museu já estiveram expostos os ovos de Lourinhanosaurus antunesi encontrados na praia de Paimogo em 1993, cuja descoberta foi revelada ao mundo em 1997 e fez sensação. Agora está exposto pela primeira vez um outro bloco de ovos de Lourinhanosaurus antunesi encontrados nas arribas da praia da Peralta, também na Lourinhã, em 1987. “Temos mais de uma centena deles”, diz com entusiasmo o paleontólogo. “Estes estão mais bem preservados [do que os anunciados em 1997].” Nestes ovos não há embriões.
Testemunho da extinção dos dinossauros
No Cretácico há mais surpresas trazidas pelo projecto Paleoangola, em Octávio Mateus participa. Mas, antes, o paleontólogo adianta que neste período (entre há 145 milhões e 65 milhões de anos) houve dois grandes eventos: passou a haver um fundo oceânico, ou seja, nasceu o oceano Atlântico; e a abertura do Atlântico Sul, com a separação entre a América do Norte, a América do Sul e África. Depois, lá nos mostra peças de Angola expostas pela primeira vez no museu: há uma réplica de um crânio do mosassauro Angolasaurus bocagei, um grande predador marinho contemporâneo dos dinossauros; uma amonite; e vértebras e costelas do plesiossauro Cardiocorax.
Por fim (nesta história), há 65 milhões de anos (no Cretácico) deu-se a extinção de grande parte dos dinossauros. E o museu tem agora uma secção de estratos de transição desde o Cretácico até ao Paleogénico (entre há 65 milhões e 23 milhões de anos). “Temos aqui uma rocha que testemunha a extinção dos dinossauros. Esta também é a primeira vez que a expomos.” A peça geológica é de Stevns Klint, na Dinamarca, e foi oferecida ao museu por um coleccionador dinamarquês. Esse foi um dos locais em que o geólogo Walter Alvarez encontrou irídio (elemento químico presente nos meteoritos) e assim pôde apoiar a sua hipótese de que os dinossauros se tinham extinguido devido à queda de um meteorito no Iucatão, no Golfo do México. Há ainda outra hipótese que diz que a extinção dos dinossauros foi causada pela erupção de um megavulcão no Decão (Índia). “Independentemente da causa, esta rocha testemunha esse momento”, salienta Octávio Mateus.
Por enquanto, termina aqui esta viagem, mas já há planos para que continue em breve: haverá ainda a história de outros tempos mais recentes. O trabalho de investigação no museu também continua. Numa sala onde estão estudantes, vê-se um placard com vários artigos científicos de 2017, como o dos ovos de crocodilos mais antigos do mundo. Outra das actividades do museu é o voluntariado. Micael Martinho, de 21 anos, é um dos voluntários e trabalha atentamente no Laboratório de Paleontologia do museu repleto de fósseis. Frequenta o 12.º ano e também ele, um dia, quer ser paleontólogo. Nos últimos tempos, até já descobriu um fóssil e contribuiu para este extenso património de dinossauros.