Figuras de esquerda contra composição de grupo que vai rever Lei de Bases da Saúde
Personalidades que avançaram com petição para revisão de Lei de Bases da Saúde e sindicalistas criticam a presença de cinco juristas num grupo de trabalho que tem sete elementos.
A composição da comissão nomeada para a revisão da Lei de Bases da Saúde, que integra cinco juristas num total de sete elementos, está a ser alvo de contestação. O grupo de meia centena de personalidades de esquerda, que lançou recentemente um manifesto em defesa do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e uma petição para a revisão da Lei de Bases, reclama a alteração imediata do despacho que designou esta comissão, que é liderada pela ex-ministra da Saúde Maria de Belém Roseira. A composição desta comissão, argumentam, “é um exemplo do enviesamento político que presidiu à sua constituição”.
"Surpreendida" com o grupo escolhido pelo ministro Adalberto Campos Fernandes para preparar o projecto de revisão da lei de 1990, a Federação Nacional dos Médicos (Fnam) põe igualmente em causa a sua composição, criticando a “exclusão total” de representantes dos profissionais de saúde. “Facto curioso é esta comissão ser constituída, na sua maioria, por advogados. Facto mais curioso ainda é a não inclusão de qualquer representante médico”, observa a Fnam, em comunicado divulgado esta terça-feira.
Além de cinco professores de Direito, a comissão de revisão inclui duas representantes de associações de doentes. No despacho que cria esta comissão – e que foi publicado na passada quarta-feira - estipula-se que o projecto legislativo deve ser apresentado até Setembro e que será de seguida discutido com "parceiros institucionais e agentes do sector", passando depois por uma fase de "auscultação pública”.
“A tutela escolheu a via do direito para rever uma lei que irá fundamentar todas as escolhas sobre a política de saúde e a organização do sistema de saúde”, consideram os autores do manifesto e da petição em defesa do SNS, entre os quais figuram Manuel Alegre, Helena Roseta, a eurodeputada Marisa Matias e a ex-bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Maria Augusta Sousa. Desta forma, sustentam numa tomada de posição a que o PÚBLICO teve acesso, “a Lei de Bases da Saúde deixa de ser um assunto político para se transformar numa questão do foro jurídico”. Discordam ainda que se faça da lei de 1990 “a matriz da revisão”.
Contexto é diferente do de 1990
Sublinhando que "a actual agenda política, e da política de saúde, são bem distintas da de 1990", defendem que o que agora é necessário é “recuperar o sistema público do definhamento em que tem vindo a cair” e “estabelecer fonteiras mais audaciosas” para o SNS. E, enfatizam, “não será esta comissão com esta composição que irá meter ombros a tal desafio".
O ministro da Saúde ainda vai a tempo de alterar o despacho que designou esta comissão, reforça Cipriano Justo, que lidera este grupo. “O que se pretende não é uma intervenção cirúrgica na Lei de Bases. Há pessoas com pensamento político consolidado nesta área que podem dar um contributo valioso”, observa o professor de Saúde Pública.
No texto da petição pública que este grupo promoveu, destacava-se a necessidade de uma nova visão sobre a saúde, sobretudo na parte da promoção da saúde, e prevenção da doença. Entre os primeiros subscritores estavam António Arnaut e João Semedo, os autores do livro Salvar o SNS em que defenderam a criação de uma nova Lei de Bases da Saúde e lançaram o debate. O objectivo era o de mudar o actual paradigma e pôr fim à “promiscuidade” entre o interesse público e o privado, nomeadamente acabando com as taxas moderadoras e as parcerias público-privadas.
Comissão criará "primeiro projecto"
Reagindo às críticas, Maria de Belém Roseira diz que a comissão a que preside foi incumbida de preparar apenas "um primeiro projecto". "A comissão vai chamar os especialistas que entender adequados para a formulação deste primeiro projecto. E, como é evidente, depois outras pessoas vão colaborar e participar”.
Quanto à presença quase exclusiva de juristas neste grupo de trabalho, a ex-ministra da Saúde explica que vai ser necessário, em primeiro lugar, "analisar a jurisprudência do Tribunal Constitucional", nomeadamente as disposições que devem ser invocadas para concretizar o direito à protecção dos doentes. "Quando se entrar noutras matérias, como as carreiras, serão chamados peritos de várias áreas, profissionais de saúde, mas não só", garante.