Miguel Macedo: “Ministério Público confunde Estrada da Beira com beira da estrada”
Suspeito de prevaricação e tráfico de influência, ex-ministro diz que o MP não sabe do que está a falar quando lhe imputa procedimentos menos claros no processo de nomeação de um oficial de ligação para Pequim.
“O Ministério Público confunde estrada da Beira com beira da estrada.” Foi desta forma que o ex-ministro da Administração Interna Miguel Macedo descreveu, durante a sessão de julgamento do caso dos vistos Gold desta segunda-feira, a acusação pela qual responde em tribunal.
Suspeito de prevaricação e tráfico de influência, o arguido sustentou que o Ministério Público não sabe do que está a falar quando lhe imputa procedimentos menos claros no processo de nomeação de um oficial de ligação para Pequim, para a área da emigração. Essa nomeação, que nunca chegou a acontecer, teria como objectivo facilitar os negócios imobiliários de amigos seus que envolviam a atribuição de vistos dourados a cidadãos chineses.
“O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras insistia pelo menos desde 2010 em ter um oficial de ligação em Pequim, conforme comprovaram duas testemunhas aqui em tribunal”, recordou, numa referência a uma altura em que ainda não era ministro. Para voltar às críticas: “Melhor teria andado a acusação se não se tivesse metido por caminhos que não conhece."
Esta parte da acusação não parece, de resto, ter impressionado por aí além o presidente do colectivo de juízes, Francisco Henriques, para quem a matéria em causa “é o que é”.
Apanhado a pedir favor
Mais interesse mostrou o magistrado numa escuta em que Miguel Macedo é apanhado a pedir ao seu então colega de Governo da área das Finanças Paulo Núncio que receba membros da sociedade ILS, ligada a um amigo seu, por causa da isenção de IVA num negócio relacionado com a vinda para Portugal, para tratamento hospitalar, de feridos de guerra líbios.
Miguel Macedo não nega tê-lo feito, mas desvaloriza esse pedido. Assegura nunca ter solicitado ao Ministério das Finanças favores para o amigo, que de facto acabou por ser isentado do pagamento de perto de dois milhões de euros de IVA.
O ex-ministro, que continuará a ser interrogado no próximo dia 26, negou também ter favorecido qualquer empresa no negócio dos meios aéreos do combate aos incêndios, feito em parte com helicópteros Kamov. A verdade é que não só enviou antecipadamente a um amigo, Jaime Gomes, o caderno de encargos de um concurso público para o efeito que ainda não tinha lançado como se reuniu em casa dele com representantes de uma firma do sector, a espanhola Faasa. Trata-se de uma das empresa que haviam mais tarde de ser investigadas em Espanha por corrupção, no âmbito do caso Cartel do Fogo.
"Era para convencer a Faasa a entrar no concurso público", justificou. Segundo Miguel Macedo, dificuldades relacionadas com a manutenção dos Kamov faziam com que fossem poucos ou nenhuns os interessados nestes concursos, ao ponto de ficarem desertos. O que concluiu a investigação espanhola é que as empresas que faziam parte do cartel, que operava não só em Espanha como em Itália e Portugal, é que uma das estratégias do grupo passava precisamente por nenhuma das firmas se apresentar aos concursos, por forma a ficarem desertos e a obrigar os Estados a subirem o preço-base de adjudicação dos seus serviços.
Miguel Macedo assegura que tudo o que fez foi em prol do interesse público: não podia correr o risco de lhe faltarem meios aéreos de combate aos incêndios. "Depois podia vir o Tribunal de Contas dizer que eu não devia ter contratado desta ou daquela maneira. Mas a responsabilidade é de quem tem de responder aos problemas", justificou.