Ex-líder do PSD-Lisboa escreve a Rui Rio e não é uma carta meiga
Miguel Pinto Luz queixa-se que a campanha ficou aquém do esperado e estabelece limites ao que o líder eleito do partido pode e não pode fazer.
Foi na sexta-feira, 2 de Fevereiro, que Miguel Pinto Luz assinou uma longa carta, com quatro páginas A4, dirigida ao líder eleito do PSD. Marques Mendes falou dela neste domingo à noite, na SIC, para a definir como um "contributo para o enriquecimento do debate político no próximo congresso". Mas é muito mais do que isso. O actual vice-presidente de Carlos Carreiras na Câmara de Cascais traça as linhas vermelhas que Rio não pode ultrapassar: na descentralização, no orçamento, em questões europeias. E deixa sete perguntas a Rui Rio.
"Sou um dos muitos cidadãos que consideraram que a campanha interna no PSD ficou muito aquém do esperado. Esperava mais. Como militante acredito que poderíamos ter feito mais. Como dirigente acredito que tínhamos essa obrigação", começa por escrever Miguel Pinto Luz, que chegou a ser indicado como candidato à liderança do PSD, nas eleições directas de 13 de Janeiro.
A carta a que o PÚBLICO teve acesso prossegue, assumindo que a moção do líder tem omissões e que essas omissões colocam limites à sua actuação. Por exemplo: "o mandato agora conquistado não lhe permite viabilizar o próximo Orçamento do Estado"; "não lhe permite estabelecer contactos, ou encontros informais e discretos, com a liderança do Partido Socialista com o propósito de abordar a reedição do Bloco Central"; "também não lhe permite que o processo de descentralização seja aproveitado para fazer uma regionalização administrativa e opaca"; "nem abalar os pilares da política externa portuguesa construída com o determinante contributo do PSD", escreve Pinto Luz.
O vice-presidente da Câmara de Cascais deixa claro que Rui Rio não pode confundir as suas "manifestações pessoais" com qualquer "posicionamento estrutural do PSD" em relação à Europa, por exemplo. "As eleições europeias serão o primeiro teste ao partido sob a sua liderança", avisa, alertando para o facto de ser preciso escolher um "candidato vencedor com perfil europeísta" e que represente o legado do PSD.
Pinto Luz admite que Rui Rio tenha "outra leitura destes pontos-chave" e desafia-o a apresentá-la em congresso, revendo a moção que redigiu para a campanha. "Rever a moção só enriquecerá o congresso e a própria liderança", defende o actual dirigente social-democrata. "Os líderes não têm o direito, nem o dever, de se comportarem como se fossem Messias".
Os líderes, sobretudo no PSD, existem para ganhar eleições, diz Miguel Pinto Luz – que já liderou a distrital de Lisboa do partido. "No PSD estamos afeiçoados a essa tradição. Ganhamos eleições. Mesmo quando isso não chega para formar governo, ganhamos", escreve, numa clara alusão a Pedro Passos Coelho.
Na carta, Pinto Luz também faz propostas e sugestões ao líder eleito há 20 dias, como a da limitação dos mandatos dos deputados. Mas deixa, sobretudo, sete perguntas à espera de uma resposta de Rui Rio:
- O que pensa sobre a sustentabilidade do Estado social em Portugal? Como deve ser reformado?
- O PSD vai defender o aprofundamento da liberdade de escolha para as famílias, nomeadamente na educação e na saúde?
- Como garantir a sustentabilidade do sistema de pensões, respeitando os pensionistas sem penalizar as novas gerações?
- Qual a sua proposta para harmonizar o contexto laboral num país com milhares de trabalhadores com vínculos precários?
- Que medidas vai apresentar para reter o talento dos nossos jovens, produzido pelas universidades?
- Qual o papel do Estado no apoio à Ciência e à Inovação?
- A actividade cultural deve merecer apoio público?
“São questões sobre o futuro do nosso país”, acrescenta Miguel Pinto Luz, que termina a carta com saudações sociais-democratas, mas deixando clara a sua intenção: “Estas palavras são um caderno de encargos tão exigente como o lugar que vai agora ocupar”.