Alice, a heroína feminista de Ana Deus, passou pelo IndieJúnior
O filme que a Disney produziu a partir da obra de Lewis Carroll foi a escolha da artista convidada para a secção O meu primeiro filme. A segunda edição do festival terminou com mais público do que em 2017.
Não foi o primeiro filme que Ana Deus viu no cinema (terá sido outro da Disney, “talvez” A Branca de Neve e os Sete Anões ou a Cinderela), mas foi seguramente um dos primeiros. E é aquele que reviu mais vezes e que continua mais fresco na memória, razões pelas quais a vocalista dos Osso Vaidoso e dos Três Tristes Tigres quis este sábado partilhar com os espectadores do segundo IndieJúnior Allianz a Alice no País das Maravilhas de Clyde Geronimi, Wilfred Jackson e Hamilton Luske, que a Disney lançou em 1951. O festival de cinema para a infância e a juventude, que decorreu até este domingo no Porto, terminou com mais público do que no ano passado.
Além de Ana Deus, também Rui Reininho e Carlos Tê foram convidados a mostrar o filme que lhes serviu de porta de entrada para o cinema. O director do festival, Nuno Sena, diz que a rubrica O meu primeiro filme é uma forma de os espectadores mais jovens, para os quais o cinema “começou há muito pouco tempo”, poderem ter contacto com “épocas remotas” da história da sétima arte e com “os clássicos”, sobretudo aqueles que, “não se destinando especialmente a crianças”, apelam também a este público.
Reininho escolheu Viagem ao Centro da Terra (1959), de Henry Levin, Carlos Tê Os Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (1965), de Ken Annakin. Nuno Sena conta que este filme terá sido visto por Tê há 52 anos, precisamente no Cinema Trindade, sala que acolheu esta secção; o festival estendeu-se ainda à Biblioteca Municipal Almeida Garrett e ao Teatro Municipal Rivoli.
Já Ana Deus não se recorda do cinema onde terá visto o filme baseado no livro que Lewis Carroll escreveu há pouco mais de 150 anos. Mas sabe por que é que nunca mais se desligou do universo de Alice. “Agora, um bocadinho mais crescida, acho que o que me fez gostar do filme terá sido o facto de ter como personagem principal uma menina e por fugir àquele esquema dos príncipes e das princesas, dos casamentos, das desgraças e das madrastas”, contou a um público composto maioritariamente por famílias. De resto, o próprio festival procura com a sua programação propor outras formas de entender o cinema infanto-juvenil.
Este filme, contou, reviu-o vezes sem conta. E não só por ser uma preferência pessoal. “O meu filho mais velho, agora com 28 anos, passou por uma fase na infância em que o via religiosamente todos os dias”. O mesmo legado foi passado “aos gémeos”, mais novos, que também assistiram ao filme várias vezes “na versão brasileira” e ainda em VHS: “É o filme da minha infância, mas também da dos meus filhos."
Essas revisitações constantes permitiram-lhe descobrir pormenores dos quais se tinha esquecido, ou que lhe tinham passado ao lado. São muitas as camadas por desvendar: “A Alice tem tanta história dentro daquela história, tantas cenas, tantas personagens, tantos pormenores de desenho, desde as florzinhas, às borboletas feitas de torradas de pão – pormenores que me fascinavam sempre que o via."
Para a intérprete, este é também um filme sobre o que é crescer. E em que se tenta perceber os outros. Ana Deus remeteu para as cenas em que Alice cresce e encolhe de tamanho ou para o facto de, ao longo do seu percurso, encontrar outras personagens que a vão interpelando. “É uma história muito surrealista." E em que a banda sonora tem um lugar de destaque: “Há canções muito bem feitas. Também víamos o filme só para ver e ouvir aquela canção de uma cena específica."
A narrativa de Alice no País das Maravilhas terá começado a ser desenvolvida durante um passeio de barco. Nesse barco estariam Lewis Carroll, então professor de matemática, e três filhas do director da escola onde leccionava, e para as quais improvisou uma história. Uma das filhas chamava-se Alice.
Ana Deus considera que essa experiência terá sido fundamental para a narrativa. “É possível imaginá-lo contar a história às meninas enquanto incluía elementos à medida que o cenário da viagem ia mudando e apareciam outras pessoas ou objectos”; o próprio cenário, “feito de água e bosque”, será fruto disso.
Alice no País das Maravilhas segue uma lógica de sonho, fantasia e descoberta. Sonho esse que nasce da vontade de uma menina “corajosa” e disposta a quebrar os padrões estabelecidos na época. Daí que Alice seja, para Ana Deus, “uma heroína feminista”.
Mais público
Durante os seis dias do festival, que antes de começar, e face às reservas de bilhetes, já tinha garantido o mesmo número de público da primeira edição – cinco mil pessoas –, houve oficinas, debates e as várias sessões da competição internacional. Os números oficiais do IndieJúnior 2018 ainda não são conhecidos, mas é certo que superam os de 2017.
Escolheu o júri da competição internacional que a longa-metragem vencedora fosse O Professor Sapo, da holandesa Anna van der Heide. Na curta-metragem, o prémio principal foi para a animação francesa O Espaço que Resta, de Max Porter e Ru Kuwahata, com Realidade Oculta, de Kim Brand, a receber uma menção honrosa. O júri do público escolheu como melhor filme a curta Quero Viver no Jardim Zoológico, da russa Evgenia Golubeva.
Nesta edição, a organização convidou algumas escolas do Porto a participarem na iniciativa Eu programo um festival de cinema. O júri composto por alunos desses estabelecimentos de ensino escolheu como melhor filme a curta A Sra. McCutcheon, do australiano John Sheedy.