A caminho da Fóia: sabe bem estar perdido na direcção certa
Os leitores Cláudia Salgueiro e Vítor Guerreiro partilham a sua experiência pelo topo da serra de Monchique, no Algarve.
O sol nascia e o campo começava a iluminar-se, a neblina encobria o horizonte e o nosso objectivo, a Fóia, no topo da serra de Monchique, mantinha-se escondida ao olhar.
Partimos de Portimão andando por entre casas até chegar à zona rural, onde avançámos por caminhos agrícolas e alcançámos o Barrocal Algarvio. Aqui, entre a serra e o mar, predominam as típicas amendoeiras, alfarrobeiras, figueiras, oliveiras, rosmaninho, tomilho e estevas entre espaços para pastagem de gado e pequenas barragens. A cultura de sequeiro é uma das características da região onde outrora existiram lobos e linces-ibéricos, hoje extintos na região.
Caminhámos entre estradas de terra batida e alcatrão, saltámos uma pequena ribeira e finalmente percorremos um trilho que nos faz chegar ao sopé da serra de Monchique. Alertamos para o cuidado redobrado a caminhar em estradas com trânsito e para a não transposição de terrenos privados.
Monchique está inserido na Rede Natura 2000 e, para além do seu valor natural, é também etnograficamente rico e vale a pena descobrir o artesanato local onde cestaria, tapeçaria e cerâmica vivem lado a lado.
A presença de eucaliptos e acácias é predominante em várias zonas mas a serra também está repleta de sobreiros, medronheiros, castanheiros, matos de urze e tojos. Monchique é considerado um espaço de grande diversidade botânica onde é possível observar algumas plantas endémicas como o carvalho-de-monchique (Quercus canariensis), adelfeiras (Rhododendron ponticum baeticum) ou o titímalo-de-monchique (Euphorbia paniculata monchiquensis).
Ao chegarmos à aldeia Nave de Monchique pedimos algumas indicações e dirigimo-nos ao nosso objectivo final, a Fóia. Aqui o declive acentua-se e a progressão no terreno torna-se mais lenta, mas a vontade de chegar ao cume é cada vez maior e continuamos sem hesitar.
A Fóia, com 902m, é o ponto mais alto do Algarve. O local caracteriza-se por pequenos arbustos, rochas e imponentes antenas de comunicações, mas quando olhamos para o horizonte este oferece uma vista panorâmica até ao mar que deslumbra pela sua amplitude e cor. Aqui a observação de espécies como o cartaxo-comum (Saxicola rubicola) ou o pintarroxo (Carduelis cannabina) é tida como fácil.
Sentámo-nos um pouco e descansámos as pernas enquanto observámos a paisagem, depois de 30 quilómetros é bom olhar para baixo e ver todo o caminho que percorremos. Na serra de Monchique existem vários percursos sinalizados e de menor dimensão que podem ser uma alternativa para explorar a região. A partir da Fóia, por exemplo, é possível iniciar a PR3 – Trilho da Fóia, um percurso circular com cerca de 6,5km e uma duração média de duas horas, ou a PR5 – Percurso Pedestre das Cascatas, um pouco mais difícil e com 17km de extensão.
O caminho que realizámos oferece uma satisfação experiencial e serve o prazer de caminhar desde a zona litoral até ao ponto mais alto no horizonte. Quando não temos um percurso rigidamente definido, por vezes seguimos estradas inesperadas e sobretudo na fase inicial deambulamos um pouco pelos campos. Mas, disse alguém, “it feels good to be lost in the right direction”: sabe bem estar perdido na direção certa.
Cláudia Salgueiro e Vítor Guerreiro