Os cigarros electrónicos também danificam o ADN e têm sabores tóxicos

Duas equipas de cientistas testaram os efeitos dos cigarros electrónicos: enquanto uma verificou que contribuem para o cancro dos pulmões e da bexiga, a outra concluiu que a baunilha e a canela são dos sabores mais tóxicos.

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O cigarro electrónico foi inventado em 2004 na China Regis Duvignau/Reuters

Muitas vezes, os cigarros electrónicos são publicitados como um bom substituto do tabaco convencional ou como uma forma de vir a deixar de fumar. Mas o que sabemos mesmo sobre os efeitos dos cigarros electrónicos? Dois estudos publicados este mês procuraram determinar os efeitos destes cigarros. Num dos trabalhos, na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), os cientistas alertam para os danos potenciais do vapor dos cigarros electrónicos no ADN. Já na revista científica Frontiers in Physiology destaca-se que os sabores dos cigarros electrónicos são tóxicos para um tipo de células do sistema imunitário.

Os cigarros electrónicos foram inventados no início do século XXI como uma alternativa ao tabaco convencional. Por isso, criou-se um cilindro metálico que imita o tamanho e a forma de um cigarro típico. Ao longo destes anos, têm-se feito alguns estudos para conhecer melhor os efeitos dos cigarros electrónicos na saúde.  

Esta semana, num artigo na PNAS, foi divulgado um estudo sobre cigarros electrónicos em que a nicotina é o componente mais presente. No caso destes cigarros, a nicotina é distribuída como um aerossol. A equipa liderada por Moon-Shong Tang, da Escola de Medicina da Universidade de Nova Iorque, nos Estados Unidos, quis compreender o que acontecia quando ratinhos e células humanas eram expostos ao vapor destes cigarros.

E o que observaram foi que os ratinhos expostos a esses vapores tinham níveis elevados de danos no ADN dos pulmões, do coração e da bexiga em comparação com os ratinhos expostos a ar sem esses compostos. Nos primeiros ratinhos também se observou uma redução da actividade reparadora do ADN, bem como níveis mais baixos de certas proteínas reparadoras do ADN nos pulmões.

Os cientistas quiseram ainda ver os efeitos dos cigarros electrónicos em culturas de células humanas dos pulmões e da bexiga. Além da nicotina, essas células foram expostas a um outro composto cancerígeno que também se encontra no fumo dos cigarros convencionais – a cetona nitrosamina derivada da nicotina (NNK, na sigla em inglês). Verificou-se então que essas células tiveram uma taxa de mutações genéticas mais elevada do que as células que não foram expostas a essas substâncias, assim como uma transformação carcinogénica mais alta.

“É assim possível que o vapor dos cigarros electrónicos possa contribuir para o cancro dos pulmões e da bexiga nos humanos, assim como para doenças no coração”, concluem os cientistas no artigo científico. Mesmo assim, os investigadores salientam que o vapor desses cigarros electrónicos é menos carcinogénico do que o tabaco convencional.

Já no trabalho na revista Frontiers in Physiology, os cientistas testaram líquidos com sabores para cigarros electrónicos sem nicotina. Nesses cigarros, através da vaporização, os pulmões são expostos aos químicos usados para dar sabor. Como as substâncias desses aromas já são usadas na alimentação – como baunilha, sabores de frutas, canela ou menta –, e são consideradas seguras, também se pensou que seriam inofensivas nos cigarros electrónicos. “Contudo, os efeitos da inalação destes químicos na saúde são pouco conhecidos”, lê-se num comunicado sobre este trabalho.

Canela e baunilha entre os piores

Estudos anteriores já tinham mostrado que os sabores usados nos cigarros electrónicos causam inflamação e stress oxidativo nas células dos pulmões. Além disso, os utilizadores de cigarros electrónicos também mostraram níveis mais altos nos marcadores de stress oxidativo no sangue em comparação com os não fumadores.

O que indica agora o novo estudo? Que os cigarros electrónicos com sabores podem causar uma inflamação significativa nos monócitos, um tipo de glóbulos brancos. “A exposição aos químicos usados para dar sabor aos líquidos dos cigarros electrónicos conduz a uma alta produção de dois biomarcadores bem estabelecidos para a inflamação e danos nos tecidos, mediados pelo stress oxidativo”, refere-se ainda no comunicado. Além disso, muitas dessas substâncias químicas podem causar morte celular significativa. Os sabores mais tóxicos foram a canela, a baunilha e o sabor a manteiga entre cerca de 35 sabores analisados.

A equipa coordenada por Irfan Rahman, do Centro Médico da Universidade de Rochester (Estados Unidos), espera agora que se comece a compreender melhor os efeitos nocivos dos líquidos dos cigarros electrónicos com sabor e sem nicotina a partir dos dados obtidos neste trabalho. “Tendo por base a toxicidade química de cada um dos sabores dos líquidos dos cigarros electrónicos, os sabores podem ser regulamentados”, sugerem os cientistas no artigo. Por isso, propõem a existência de regulamentação mais rígida para estes cigarros electrónicos com sabores, para que seja possível reduzir o risco da sua toxicidade.

Em ambos os trabalhos, os cientistas destacam ainda que os cigarros electrónicos estão a ficar cada vez mais populares entre as gerações mais novas. Por exemplo, nos Estados Unidos há 18 milhões de utilizadores de cigarros electrónicos e cerca de 16% são estudantes do ensino secundário.

Em Portugal, o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge publicou um estudo, em 2017, no seu Boletim Epidemiológico com dados do Inquérito Nacional de Saúde de 2014 relativos a 22.538 pessoas, com idade igual ou superior a 15 anos. Nesse inquérito, 1,3% dos homens e 0,8% das mulheres fumavam cigarros electrónicos. Os homens entre os 25 e 34 anos (2,5%) e os homens da região do Norte (2%) tinham as maiores percentagens de utilização.

No início deste ano, entraram em vigor em Portugal novas regras que equiparam os cigarros electrónicos aos cigarros tradicionais. Restrições já aplicadas aos cigarros convencionais, como não fumar num espaço fechado, passaram assim a ser aplicadas também aos cigarros electrónicos.

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