Jornadas do CDS terminam já com sabor a campanha eleitoral
Assunção Cristas ouviu comerciante, desiludido com a política e zangado com o partido.
O mote já tinha sido dado pela líder do CDS no jantar da véspera: é preciso “arregaçar as mangas” e continuar a fazer um trabalho de “formiguinha”. Esse trabalho minucioso já começou no CDS e promete continuar até às legislativas de 2019. Nessa altura – vai avisando Assunção Cristas – o “voto é mais livre”, já não estará influenciado pelo “voto útil”. A mensagem haverá de fazer o seu caminho, acreditam os centristas. Até lá, Assunção Cristas anda no terreno a ouvir os portugueses para construir o programa eleitoral.
Foi nesse âmbito que, nesta terça-feira, a líder do CDS pôs os pés ao caminho na baixa de Setúbal para entregar as cartas Ouvir Portugal, em jeito de folhetos de propaganda de campanha. Com passo estugado, Cristas tinha fortes probabilidades de encontrar um setubalense simpatizante da esquerda. Mas não. Logo na segunda loja onde entrou foi confrontada com um votante no PSD, mas muito desiludido com a política e com o CDS em particular.
“Desde que meteram lá o Paulo Núncio [ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais], para mim o CDS acabou”, atira-lhe o dono de uma ourivesaria. As queixas têm a ver não só com os programas informáticos impostos pelo fisco mas também com as transferências para os offshores.
Cristas não desiste. Rebate os argumentos e repete o que escreveu na carta Ouvir Portugal, uma iniciativa que é uma cópia do que fez como candidata à Câmara de Lisboa. “Mande-me um email e fale-me desta conversa de hoje”, dizia a líder do CDS que insistia ser uma política diferente dos outros, que só visitam os comerciantes nas campanhas eleitorais. Mas este eleitor de Passos Coelho assegura que não votará em mais ninguém. “Nem no PS, fique descansada”, disse.
À saída da loja, a líder do CDS não esmoreceu: “Isto é que é ouvir, o bom e o mau”. E continuou por uma das ruas pedonais, à hora de almoço, a entrar nas lojas e a deixar os folhetos. Foi muitas vezes recebida com sorrisos, trocou beijinhos com lojistas. Atrás de si, alguns deputados também entregavam as cartas a quem ia passando, numa iniciativa que não constava do programa das jornadas parlamentares do CDS mas sobre a qual os jornalistas foram informados.
Já no final da caminhada – uma rua não muito longa – Cristas cruza-se com duas mulheres que tinha encontrado no hospital da cidade, de manhã, numa visita que fez às urgências. No final da visita, e de uma reunião com a administração, a líder do CDS disse ter constatado que a “urgência está subdimensionada para as necessidades” e que há “macas nos corredores”. Há um projecto de oito milhões de euros para um novo serviço de urgências, mas “o Ministério da Saúde disse que sim, o Ministério das Finanças disse que não”.
É o mote para Cristas voltar a criticar o Governo por não cumprir o que prometeu sobre investimento público. Só no encerramento das jornadas, ao final da tarde, a líder do CDS comentaria, de forma breve, os casos de Legionella na Cuf Descobertas que são conhecidos desde domingo. “Preocupamo-nos com casos de Legionella, desta vez no privado. Alguma coisa não está bem por parte também das entidades públicas que têm de fazer fiscalização”, afirmou.
Os dois dias de jornadas foram marcados por dois debates mas também visitas – ao porto de Setúbal, a uma multinacional francesa e ao Hospital São Bernardo – que já davam o tom de campanha eleitoral. Sem críticas muito duras ao Governo, de acordo com a estratégia explicada pela própria líder: a “marca do CDS" é ser "construtivo”, mas “pode embaraçar alguns, por ser um rolo compressor de trazer matérias” para o debate.
Assunção Cristas insiste em defender o “diálogo construtivo no Parlamento”, apesar de dizer que este nunca deu frutos desde que a "geringonça" está no poder. O pacote de projectos sobre justiça que anunciou nesta terça-feira é mais uma tentativa para que os grupos parlamentares “venham a jogo com as suas propostas”, desafiou Cristas. Sinal de que a campanha eleitoral já está por perto foi o recado deixado ao PSD de Rui Rio, quando, no primeiro dia das jornadas, o líder da bancada, Nuno Magalhães, defendeu que a descentralização não é uma “guerra Norte-Sul”.