Pico de dopamina serve de empurrão para o início de um movimento
Neurocientistas da Fundação Champalimaud perceberam que os neurónios que libertam um mensageiro químico são essenciais para iniciar um movimento. Descoberta pode ter implicações no tratamento da doença de Parkinson.
Para a maioria das pessoas, dar o primeiro passo de uma caminhada ou a primeira pedalada numa bicicleta parece ser tão simples como dar os seguintes passos e continuar a viagem. No entanto, uma equipa de neurocientistas da Fundação Champalimaud e da Universidade da Columbia, nos EUA, detectou uma diferença importante entre o arranque e o resto da caminhada. Segundo explicam num artigo publicado esta quinta-feira na revista Nature, os neurónios responsáveis pela produção de dopamina (e que são afectados na doença de Parkinson) são fundamentais sobretudo para iniciar um movimento, e especialmente os movimentos mais vigorosos.
Os movimentos simples e voluntários tornam-se tarefas difíceis para os doentes com Parkinson. Estes sintomas estão associados à morte de células cerebrais que produzem um neurotransmissor, a dopamina, numa parte do cérebro chamada substância negra. A bradicinesia, normalmente descrita como uma diminuição da probabilidade de movimento ou lentidão na sua execução, é um dos principais sintomas motores desta patologia, além dos tremores e rigidez. Agora, uma equipa de neurocientistas esclareceu um dos mecanismos do “motor de arranque” para o movimento.
“Fomos medir muito precisamente o movimento e gravar ao mesmo tempo a actividade dos neurónios que produzem dopamina e vimos que, mesmo antes do começo do um movimento espontâneo, há um pico de dopamina, os neurónios ficam mais activos”, explica ao PÚBLICO Rui Costa, neurocientista da Fundação Champalimaud e líder da equipa de investigadores que assina o artigo publicado na Nature. Segundo adianta, o aumento dos níveis de dopamina observado em ratinhos (sem Parkinson) antes de um movimento “é tão maior quanto mais rápido o movimento será a seguir”.
Assim, depois de feita a correlação entre os níveis de dopamina e o início de um movimento, os cientistas experimentaram “desligar” e “ligar” estes neurónios em diferentes alturas. “Percebemos que são neurónios francamente menos relevantes durante o movimento. Usámos uma técnica chamada ‘optogenética’ que nos permite ligar e desligar os neurónios de ratinhos e ver, durante as diferentes fases do movimento, o que os neurónios estão ou não estão a fazer”, já tinha explicado antes ao PÚBLICO Joaquim Alves da Silva, investigador que faz parte do grupo de Rui Costa e o primeiro autor deste artigo. Este trabalho foi um dos vencedores dos Prémio Pfizer em 2017, na categoria de Investigação Básica, ainda antes de ser publicado numa revista científica.
Uma “pitada” no segundo certo
As experiências, descritas agora no artigo na Nature, mostraram que quando desligamos estes neurónios antes de um movimento, o ratinho tem problemas em começar a mexer-se. Por outro lado, quando os ratinhos se encontravam imóveis, bastava “activar os neurónios durante meio segundo para promover o movimento – e com maior vigor – do que sem a actividade desses neurónios”, acrescenta Joaquim Alves da Silva, no comunicado divulgado sobre o estudo. Assim, resumem, basta uma “pitada” de dopamina.
Os cientistas também “desligaram” estes neurónios durante um movimento já iniciado. Resultado? O movimento não era afectado. Da mesma forma, a acção também continuava sem perturbações se estes neurónios fossem activados durante um movimento em curso.
“Nas próximas experiências vamos tentar ver, em modelos com Parkinson, se dar apenas um cheirinho de dopamina num determinado momento é o suficiente para conseguir um movimento e para que continuem sem precisar da dopamina”, diz Rui Costa. Outra das futuras linhas de investigação nesta área passa por separar as águas entre estes neurónios dopaminérgicos. É que, neste trabalho, os cientistas perceberam que apenas entre 30 a 40% destas células de dopamina são responsáveis pelo pico antes do movimento, ou seja, não são todos. “Queremos saber se há subtipos de neurónios de dopamina que estão mais sensíveis na doença de Parkinson e mais vulneráveis para morrer.”
Actualmente, a doença de Parkinson é controlada com uma substância activa chamada levodopa, que, ao transformar-se em dopamina no organismo, alivia os sintomas motores. “Mas a levodopa eleva os níveis de dopamina em contínuo, não apenas quando nos queremos mover”, nota Rui Costa, sublinhando que esta medicação a longo prazo pode provocar efeitos secundários. Por outro lado, os resultados desta investigação também podem ser úteis para os doentes que não respondem à levodopa e que são tratados com “estimulação cerebral profunda”, que actua em certas regiões do cérebro através de estímulos eléctricos. Rui Costa conclui: “Talvez seja possível encontrar outras estratégias que consigam aumentar a dopamina apenas no momento em que é mais necessária, antes de iniciar o movimento, e talvez isso possa ajudar estes doentes a fazer um tratamento mais específico e com menos efeitos secundários.”