Exames agravam desigualdades entre alunos e alimentam mercado das explicações
Estudo conclui que exames nacionais acentuam as desigualdades sociais. São os estudantes das escolas mais bem posicionadas nos rankings que mais procuram centros de explicações. Noutros países, diz, não acontece porque as famílias acreditam na qualidade do ensino.
Para os alunos do ensino secundário que querem continuar os seus estudos no ensino superior, que são a maioria, os exames nacionais podem ser decisivos. Por isso, o que investem neles é uma preocupação. Mas nem todos podem investir o mesmo. Um estudo conduzido por uma investigadora da Universidade de Aveiro conclui que os exames nacionais promovem as desigualdades sociais entre os alunos, empurrando os estabelecimentos de ensino "para uma lógica mercantilista" onde o "grande beneficiário" é o mercado dos centros de explicações.
Andreia Gouveia, especialista em Administração e Políticas Educativas da Universidade de Aveiro, dedicou-se a acompanhar estabelecimentos do ensino público e privado no topo e no fim da lista dos rankings das escolas, elaborados com base nas médias dos exames, e aponta "fragilidades" à lógica de funcionamento dos exames.
Na investigação que dá nome à sua tese de doutoramento, Exames nacionais, apoios pedagógicos e explicações: a complexa construção dos resultados escolares em Portugal, Andreia Gouveia afirma que é "inegável" que os exames são uma causa para o “agravamento das desigualdades sociais no acesso ao reconhecimento escolar”.
Sem identificar quais as escolas que acompanhou, a investigadora entrevistou para o seu estudo 692 alunos e directores e outros membros da direcção de escolas.
A conclusão, resumida nesta terça-feira em comunicado, é que apenas os jovens do agrupamento de escolas públicas pior classificado no ranking afirmaram não recorrer a explicações, porque "a sua condição socioeconómica não lhes permitia" pagá-las.
Para Andreia Gouveia, este é um factor que levanta "inquietantes preocupações de justiça social e equidade", uma vez que nem todas as famílias podem suportar os gastos associados ao pagamento de explicações, uma quantia que pode ultrapassar as centenas de euros, dependendo do número de horas e de disciplinas a que os estudantes têm apoio.
Sem surpresas, são por isso os estudantes das escolas melhor posicionadas no ranking que mais procuram centros de explicações. Para a investigadora, isso permite ainda concluir que "o mercado de explicações influencia o sistema formal de ensino, pois ao frequentarem as explicações fora da escola os alunos deixam de frequentar os apoios oferecidos no interior da escola".
"Os fins justificam os meios"
"A fragilidade dos exames começa pela descontextualização em que operam ao ignorar os espaços de ensino-aprendizagem: não importa o processo para chegar aos resultados, o que importa acima de tudo é o resultado", diz a investigadora da Universidade de Aveiro. E, por isso, "se os fins justificam os meios, as famílias vão usar de todos meios ao seu alcance para atingirem o fim máximo da performance escolar que é aquilo a que se convencionou chamar a excelência escolar".
Com o objectivo de garantir o acesso à universidade, muitas famílias com poder de compra querem "assegurar a frequência das 'melhores' escolas e dos 'melhores' explicadores e quanto mais cedo melhor", contribuindo para a lógica mercantilista, sublinha, e acentuando o fosso entre estudantes.
"Os exames nacionais deveriam ser entendidos como mais um instrumento, retirando-lhes a excessiva valorização que está na origem de momentos de enorme tensão, stress e ansiedade para todos os alunos e suas famílias, bem como para os estabelecimentos de ensino que frequentam", completa a investigadora.
Na sua análise lembra ainda que na Dinamarca, Finlândia e Suécia não existem exames nacionais e que, paralelamente, estes países apresentam níveis muito baixos quer de oferta quer de procura de explicações, uma vez que “para as famílias é inquestionável a qualidade do ensino público prestado, não sendo por isso alimentado o mercado paralelo ao sistema formal de ensino”.