Mais de 85% dos consumidores problemáticos de drogas recorrem aos serviços de saúde
Estudo feito junto de 321 utilizadores de droga a céu aberto, no Porto, apontou, porém, importância de aproximar estes utentes dos centros de saúde.
Portugal “é um caso de sucesso” na aproximação dos utilizadores de drogas aos serviços de saúde. Um estudo feito junto de 321 utilizadores de drogas a céu aberto no Porto mostrou que 85,4% recorreu aos serviços de saúde pelo menos uma vez nos 12 meses que antecederam a aplicação do inquérito.
“Noutros países, que não têm um serviço nacional de saúde universal e gratuito nem políticas de descriminalização de drogas e estratégias de redução de risco e minimização de danos, as taxas de utilização variam entre os 30 e os 60%, no máximo”, compara o investigador André Tadeu, autor do estudo desenvolvido na Unidade de Investigação em Epidemiologia do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto.
Feito junto de uma população acima dos 45 anos, maioritariamente masculina e desempregada, o estudo demonstrou, porém, que 52% dos inquiridos declararam não utilizar os centros de saúde, optando antes por serviços especializados, nomeadamente de infecciologia e de tratamentos de substituição com opiáceos como a metadona.
Menos mortes por overdose
“Isto levanta novos desafios. Estas pessoas vivem mais do que nos anos noventa mas continuam a morrer mais cedo do que a população em geral - há muito menos consumidores a morrer por overdose e os que contraíram o VIH ou Hepatite C estão a ser seguidos – e pelas mesmas causas de morte da população em geral: problemas do foro cerebrovascular, tumores, consumo excessivo de álcool, tabaco, inacção e alimentação inadequada. Sendo os centros de saúde os serviços por excelência para a prevenção deste tipo de doenças, torna-se evidente por que é que seria tão importante aproximar esta população dos cuidados de saúde primários”, acrescentou André Tadeu.
Quanto às causas para este divórcio entre os utilizadores problemáticos de drogas e os cuidados de saúde primários, Tadeu apontou as “barreiras de percepção” dos próprios utilizadores, isto é, “as pessoas dizem não sentir necessidade de recorrer a estes serviços”, o que leva o investigador a concluir que seria necessário “aumentar a literacia desta população, explicando-lhe a importância de ir ao centro de saúde”, bem como o reforço da referenciação por parte dos serviços de saúde especializados.
Este os 321 utilizadores problemáticos de droga questionados, 97,5% consumiam crack-cocaína, 67% utilizavam heroína, dos quais 25% pela via injectável. A maioria (62,3%) apresentava problemas de saúde mental, dos quais 18% com ideação suicida, 35,5% hepatite C e 16,6% estavam infectados com VIH.
Concluída a primeira fase deste estudo, os questionários vão ser agora alargados a um universo mais novo de consumidores de drogas em contextos diferentes (disponível em www.usodrogas.pt). O objectivo é caracterizar o acesso aos serviços de saúde pelos diferentes perfis de consumidores de droga na cidade do Porto.