Trump tem duas palavras para as suspeitas de obstrução: "Fake news!"

Presidente norte-americano terá ordenado o despedimento do procurador especial, Robert Mueller. Mesmo que não seja acusado de envolvimento com os russos, pode vir a ser acusado de obstrução.

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Donald Trump diz que apenas tentou "responder à luta" Reuters/DENIS BALIBOUSE

Enquanto o Presidente Donald Trump tentava vender em Davos, na Suíça, a ideia de que os Estados Unidos estão mais bem preparados do que nunca para receberem um dilúvio de investimentos milionários na sua economia, a situação lá em casa, em Washington, ia-se tornando mais complicada para a sua presidência. Depois de meses de suspeitas, o jornal New York Times garantiu, na noite de quinta-feira, que Trump tentou despedir Robert Mueller, o procurador especial que está a investigar possíveis ligações perigosas entre pessoas próximas do Presidente norte-americano e o Governo da Rússia.

Depois de o Times ter lançado a bomba, muitos outros jornais e canais de televisão norte-americanos foram a correr a tentar confirmar a informação, e o resultado foi este: de acordo com todas as pessoas ouvidas (e foram muitas, sob anonimato para os leitores, mas bem identificadas pelos jornalistas), Donald Trump deu mesmo ordens para o afastamento de Mueller. Ao contrário do que tinha sido noticiado até agora, e segundo os media norte-americanos, o Presidente não se limitou a admitir essa hipótese em conversas privadas: instruiu o conselheiro jurídico da Casa Branca, Don McGhan, para tratar de tudo, em Junho do ano passado.

Trump reagiu a esta notícia ainda em Davos, antes de fazer o seu discurso sobre captação de investimento para o seu país: "Notícias falsas, pessoal. Notícias falsas. Uma típica notícia falsa do New York Times." E tem argumentado, nos últimos tempos, que até pode ter cometido alguns erros a lidar com a investigação sobre a Rússia, mas isso só aconteceu devido à sua vontade de responder a suspeitas infundadas e não à intenção de despedir seja quem for.

Em Maio do ano passado, o Presidente despediu o então director do FBI, James Comey, que era na altura o responsável pela investigação sobre a Rússia. Comey disse, sob juramento, que Trump lhe pediu para que deixasse cair a investigação ao antigo conselheiro de segurança nacional, Michael Flynn.

Ainda que possa ser falsa, a notícia sobre a tentativa de despedimento de Mueller não surgiu do nada. Para além das inúmeras notícias desde Junho do ano passado sobre a vontade de Trump de despedir Robert Mueller, o próprio Presidente norte-americano admitiu que isso não estava fora de questão – se Mueller quisesse investigar os seus negócios, e não apenas a questão da Rússia, estaria a "ultrapassar uma linha vermelha", disse Trump numa entrevista em Julho do ano passado.

Um mês antes disso, segundo noticia agora o New York Times, o Presidente norte-americano quis mesmo ver Mueller fora da investigação, e os argumentos já tinham sido estabelecidos, todos com base num suposto conflito de interesses: Mueller teve um "diferendo" com um clube de golfe de Trump por causa do pagamento de umas quotas; trabalhou numa empresa de advogados que representou o genro de Trump, Jared Kushner; e o seu nome estava a ser falado para o cargo de director do FBI quando foi nomeado procurador especial.

Mas o conselheiro jurídico da Casa Branca recusou-se então a cumprir a ordem do Presidente, segundo as quatro pessoas ouvidas pelo New York Times (todas elas questionadas na investigação sobre a Rússia). E Don McGhan foi mais longe: se o Presidente quisesse despedir Mueller, ele sairia da Casa Branca.

A confirmar-se, esta notícia é talvez o mais importante desenvolvimento no capítulo mais sonante de toda a investigação sobre a Rússia: a possibilidade de o Presidente norte-americano vir a ser alvo de um processo de impeachment na Câmara dos Representantes e, depois disso, de uma destituição do cargo no Senado.

Ainda assim, será sempre difícil provar que o Presidente teve a intenção de obstruir a Justiça quando despediu o ex-director do FBI ou se deu ordens para despedir o procurador especial. A equipa de advogados de Trump está a trabalhar na tese de que o Presidente apenas tentou responder a acontecimentos graves que poderiam enfraquecer a sua capacidade para governar – uma estratégia em linha com as recentes declarações de Trump, ao dizer que apenas quis responder a acusações infundadas.

Mas faltam ainda dois desenvolvimentos muito importantes, que envolvem figuras centrais em todo este caso: o antigo principal estratega da Casa Branca, Steve Bannon, vai ter de testemunhar perante um grande júri sobre a investigação (e Bannon está em rota de colisão com Trump), e o próprio Trump poderá ser ouvido por Robert Mueller.

Tal como em outros casos na História dos Presidentes norte-americanos, Trump poderá vir a ser alvo de um impeachment não por causa das suspeitas que motivaram uma investigação (neste caso, a suspeita de conluio com os russos, que poderá até não se confirmar), mas sim por obstrução à Justiça – uma tese que sai mais reforçada se se confirmar que o Presidente tentou mesmo despedir o procurador especial.

Mesmo que Robert Mueller sugira, no final da investigação, uma acusação formal contra Trump por obstrução à Justiça, só o Congresso poderá aprovar um impeachment e a eventual destituição – é um processo inteiramente político, que não passa pelos tribunais comuns, e que só poderá ter o apoio dos congressistas do Partido Republicano (que está em maioria nas duas câmaras) se eles sentirem que não têm outra escolha devido a uma insustentável pressão popular.

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