Câmara do Porto só atribuiu interesse municipal a uma casa desde 2009
Autarquia insiste em mudar a lei para ter “autonomia” neste campo mas, segundo a DGPC, ela não impediu outros municípios de classificar 281 bens nesta década.
Nos últimos nove anos, a Câmara do Porto apenas por uma vez atribuiu o estatuto de interesse municipal a um imóvel da cidade, e a autarquia reafirma que vai propor, numa transferência de competências do Estado para os municípios, que estes deixem de ter de pedir um parecer à tutela do património quando o pretendam fazer. A Direcção Geral do Património Cultural esclareceu nesta quinta-feira que esse parecer não é impeditivo, e que outras autarquias classificaram 281 bens, mas o Porto e as outras câmaras das duas áreas metropolitanas do país têm outro entendimento, e vão incluir o tema nas suas propostas de descentralização.
A DGPC e a Câmara do Porto estão de acordo num aspecto: citando a Lei de Bases do Património Cultural, ambas assumem que “a classificação de bens imóveis pelos municípios é antecedida de parecer dos competentes serviços do Estado ou das Regiões Autónomas, se o município aí se situar (art.º 94.º, n.º 2)”. Mas enquanto o executivo de Rui Moreira considera que isto pressupõe uma falta de autonomia do nível local, a tutela explica, numa nota enviada à imprensa, que o seu entendimento sobre esta norma é “que o legislador quis evitar a hipótese de decorrerem dois procedimentos em simultâneo”, de âmbito nacional e de âmbito local.
Fonte deste organismo explicou que estes pareceres nunca são favoráveis ou desfavoráveis, dado que, e segundo a mesma legislação “consideram-se de interesse municipal os bens cuja protecção e valorização, no todo ou em parte, representem um valor cultural de significado predominante para um determinado município (art.º 15.º, n.º 6)”. Por isso mesmo, quando é recusada uma proposta de atribuição do estatuto de interesse público ou monumento nacional a determinado bem, o processo é enviado para a autarquia onde este se localize, para consideração de eventual atribuição do estatuto de Interesse Municipal. Decisão que pode ser tomada localmente, sem necessidade de nova consulta à tutela, segundo a lei 309/2009.
A exigência de um parecer da tutela, que segundo o Porto tolhe a autonomia dos municípios, e que as duas áreas metropolitanas pretendem ver eliminada da lei, não impediu, nota a DGPC que, “no âmbito da legislação em causa, por esse país fora as câmaras já tenham “classificado 282 imóveis, sendo, por exemplo, 16 em Lisboa”. Adianta a tutela que desde a entrada em vigor desta legislação, o Porto apenas classificou com Interesse municipal um edifício oitocentista na Travessa de São Carlos, tendo deliberadamente abdicado, em 2012, como o PÚBLICO noticiou esta semana, de dar o mesmo estatuto ao complexo residencial do Foco, de Agostinho Ricca.
Esta opção que o executivo então liderado por Rui Rio tomou com a autonomia que a lei lhe dava, e dá, abriu portas à aprovação de um polémico projecto de reabilitação de um dos edifícios do conjunto, cancelado após intervenção de várias figuras da cidade, e do próprio município, a seguir, mas apenas graças ao recuo do artista urbano Vhils, que ia intervir, legalmente, na fachada. Mas, perante a polémica na reunião de câmara desta terça-feira, Rui Moreira questionou o papel dos serviços do Estado, acusando-os de centralismo, por terem recusado uma classificação de âmbito superior.
Outro exemplo apontado pelo autarca independente, e repetido esta sexta-feira pelo seu vice, Filipe Araújo, na reunião do conselho metropolitano, é o do teatro Municipal de Sá da Bandeira. O imóvel, uma sala mítica da cidade, nunca foi alvo de qualquer proposta de classificação. O município que, segundo a lei, poderia tomar essa iniciativa – independentemente do valor que atribui ao parecer da DGPC – manteve-o apenas na carta de património concelhio, que não confere qualquer estatuto de protecção, e acabou por, recentemente, exercer o direito de preferência e adquirir o prédio, para evitar, argumenta, a sua transformação num hotel.