Trump leva a Davos uma América em primeiro lugar, mas não sozinha

Comitiva norte-americana reforça críticas a acordos internacionais, mas diz que o país está “aberto a negócios”. Visita de Donald Trump ao Reino Unido “está a ser ultimada”.

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O Presidente norte-americano ameaçou cortar a ajuda aos palestinianos Reuters/DENIS BALIBOUSE

Para um presidente que vem enchendo o Twitter com mensagens contra o liberalismo económico e os seus efeitos no desemprego de milhões de americanos, Donald Trump surgiu esta quinta-feira num sítio suspeito para muitos dos seus apoiantes – o Fórum Económico Mundial, na Suíça, a reunião em que mais se discute de que forma se podem derrubar as barreiras que ainda existem ao comércio internacional.

Em certa medida, a chegada de Trump à pequena cidade de Davos parecia ter sido tirada a papel químico das apoteóticas recepções a Barack Obama um pouco por todo o mundo: fotógrafos a roçarem a violência para conquistarem o melhor enquadramento e até políticos a espreitarem dos corredores para verem o homem de quem todos falam por estes dias na Suíça.

Mas houve uma diferença fundamental: durante os seus oito anos de mandato, Obama nunca pôs um pé no Fórum Económico Mundial. Na verdade, em 44 anos de reuniões de políticos, empresários e superestrelas do entretenimento em Davos, só um presidente norte-americano em exercício apareceu por aqueles lados da Suíça – foi Bill Clinton, há 18 anos, e no último ano em que esteve na Casa Branca.

É por isso que a presença de Trump em Davos levanta tantas questões, que podem ser condensadas em duas perguntas. O que faz o Presidente que aumentou esta semana os impostos a quem vende máquinas de lavar roupa e painéis solares aos Estados Unidos no fórum que acerta agulhas para cortar tarifas desse tipo? E porque levou com ele quase toda a Casa Branca, a começar pelo secretário de Estado, Rex Tillerson, a passar pelo seu conselheiro de Segurança Nacional, HR McMaster, e a acabar na porta-voz da Casa Branca, Sarah Huckabee Sanders? (Para quem estiver interessado, o vice-presidente, Mike Pence, ficou em Washington para tomar conta do país e até foi ao Senado desempatar a votação que nomeou o governador do Kansas, Sam Brownback, como embaixador para a Liberdade Religiosa Internacional.)

A resposta a estas perguntas pode começar no slogan mais vezes repetido por estes dias pela comitiva norte-americana em Davos: “América em primeiro não é América sozinha.” O America first da campanha eleitoral de Donald Trump, agora revisto e aumentado, tem sido repetido a cada oportunidade pelo líder do Conselho Nacional Económico dos EUA, Gary Cohn, e foi explicado pelo secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, numa conferência de imprensa na quarta-feira sobre a viagem a Davos: “Estamos a falar de uma agenda política assente na ideia da América em primeiro, mas essa ideia América em primeiro significa trabalhar em conjunto com o resto do mundo.”

E, mais uma vez, o presidente Trump acredita que a sua experiência no imobiliário e nos casinos seja mais do que suficiente para fechar bons negócios com os parceiros internacionais dos Estados Unidos. “Vamos ao Fórum Económico Mundial para partilhar a história económica do presidente Trump e para dizer ao mundo que a América está aberta a negócios”, disse Gary Cohn aos jornalistas.

O mesmo responsável repetiu também uma ideia que ajudou Donald Trump a chegar à Casa Branca, mas que terá ficado perdida no meio das montanhas de ruído geradas tanto pelo actual Presidente norte-americano como por muitos dos seus opositores – sim, a América quer continuar a fazer negócios com o resto do mundo, mas tem de ser nos termos definidos pelo presidente Trump.

Ou, segundo o director do Conselho Nacional Económico dos EUA: “Vamos deixar claro que não pode haver comércio livre e abertos, se os países não forem responsabilizados pelas regras.”

Para além dos negócios, a comitiva americana vai ter várias reuniões sobre defesa, combate ao terrorismo e relações bilaterais – incluindo com Paul Kagame, líder da União Africana e Presidente do Ruanda, um dos países a quem Trump é acusado de ter chamado “merdosos” durante uma reunião na Casa Branca há duas semanas.

Esta quinta-feira, no primeiro dia da visita a Davos, Trump encontrou-se com a primeira-ministra britânica, Theresa May, e dessa reunião saiu uma notícia: depois de o Presidente norte-americano ter desmarcado uma visita ao Reino Unido, há duas semanas, com a explicação de que a Administração Obama fez um “mau negócio” com a venda da antiga embaixada em Londres, as duas partes estão agora a “ultimar” os preparativos para a visita de Trump.

Depois do cancelamento de há duas semanas, especulou-se muito sobre o estado da relação entre os dois líderes, mas o Presidente norte-americano garantiu esta quinta-feira que está tudo bem – e que o Reino Unido é um país “muito bom”.

Depois da conversa com Theresa May, Donald Trump encontrou-se com o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu. Para além do esperado reforço do apoio norte-americano ao Governo israelita – principalmente depois de os EUA terem reconhecido o estatuto de Jerusalém como capital de Israel –, o encontro ficou marcado por um aviso aos palestinianos: “Eles desrespeitaram-nos, ao não permitirem que o nosso óptimo vice-presidente se encontrasse com eles, e nós damos-lhes centenas de milhões de dólares em ajuda e apoio, números enormes, números que ninguém compreende – esse dinheiro está em cima da mesa, e esse dinheiro não lhes vai ser entregue a não ser que eles se sentem e negoceiem a paz.”

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