Quem tramou Orlando Figueira? Juízes duvidam que isso tenha mesmo acontecido

Arguido da Operação Fizz admite em tribunal ter cometido fraude fiscal e lavagem de dinheiro, mas diz que problema está resolvido. Também ameaçou banqueiro de que se ia queixar a Joana Marques Vidal.

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Orlando Figueira, ex-procurador e arguido da Operação Fizz LUSA/MÁRIO CRUZ

Faltam poucos minutos para o procurador Orlando Figueira terminar o depoimento que começou a prestar em tribunal há três dias, rebatendo ponto a ponto a acusação de ter sido corrompido pelo ex-vice-presidente de Angola, Manuel Vicente. De repente sai do banco dos réus e dirige-se aos advogados empunhando pequenos rectângulos de papel: no seu próprio julgamento quer distribuir cartões de visita da altura em que era magistrado, à semelhança do que fez da única vez que pisou terras angolanas.

Só que em 2011 ainda era procurador numa das repartições mais prestigiadas do Ministério Público, o Departamento Central de Investigação e Acção Penal, e fora a Luanda dar uma conferência. Esta quarta-feira responde em tribunal como arguido, e quando dali sair não lhe resta senão ir enfiar-se casa, onde o esperam duas cadelas, porque há mais de ano e meio que lhe foi decretada prisão domiciliária. Não pode andar pela sala de audiências a distribuir cartões de visita, admoesta-o o juiz que dirige os trabalhos. Orlando Figueira cai em si, desculpa-se uma e outra vez.

É natural que tenha perdido alguma noção das coisas, está ali desde segunda-feira a dar explicações, à razão de mais ou menos cinco horas por dia, com intervalo para almoço. Tudo somado são umas boas 20 horas de declarações, e mesmo assim nunca conseguiu responder a uma questão fulcral: se está inocente, se foi tramado, que razões havia para lhe terem feito isto? Porque Orlando Figueira deixa de lado os porquês quando  aponta o dedo àqueles que considera serem os responsáveis pela sua desgraça, o banqueiro angolano Carlos Silva e o advogado Proença de Carvalho. O juiz insiste, sem receber resposta que o convença: “Já lhe perguntei várias vezes, qual teria sido o motivo?”.

Subornos de Manuel Vicente mascarados de salários

Não sabe, só pode deitar-se a adivinhar, retorque-lhe o procurador. Talvez tenham querido estender-lhe um engodo para o afastar do DCIAP, onde lidava com a esmagadora maioria das investigações ligadas a Angola, ao oferecerem-lhe emprego num grupo ligado a um banco privado angolano de Carlos Silva. Só que o dinheiro que lhe foi caindo nas contas bancárias por conta desse trabalho de consultor jurídico, diz o mesmo Ministério Público para o qual trabalhou até 2012, são na realidade subornos de Manuel Vicente mascarados de salários: o vice-presidente angolano ter-lhe-á pago 760 mil euros para que parasse de investigar a origem dos 3,8 milhões de euros com que comprara um apartamento de luxo no Estoril.

Perante a insistência do juiz, Orlando Figueira deita-se outra vez a adivinhar: se calhar Carlos Silva “teve medo da comunicação social” e desistiu de o contratar, mesmo tendo continuado a pagar-lhe. “Não sei como ele permite a desgraça de um cidadão honesto como eu”, queixa-se o antigo magistrado, logo a seguir a admitir ter cometido fraude fiscal e lavagem de dinheiro, ao abrir em 2014 uma conta em Andorra para receber os tais salários que a acusação diz serem afinal luvas.

Foi obrigado por Carlos Silva a fugir aos impostos, assegura, que de outra forma não lhe pagaria. Mais tarde descobriu que estava a ser investigado na chamada Operação Fizz e ameaçou o banqueiro por interpostas pessoas, para que este lhe fizesse chegar o dinheiro que tinha ficado a dever às Finanças: “Eu disse que estava farto das palhaçadas dele e que ia pedir uma audiência a Joana Marques Vidal”, a procuradora-geral da República. “Isso é que o assustou”. 

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