Não se deve legislar “a mata-cavalos” nem espreitar “pelo buraco da fechadura”

Deputado socialista questiona a pressa na legislação sobre transparência de cargos públicos. Ex-presidente do Tribunal de Contas alerta para a rigidez da legislação.

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Miguel Manso

O debate sobre as regras que devem ser seguidas por titulares de cargos públicos, a reboque da apresentação dos projectos do PS sobre a transparência e legalização da actividade lobista, divide os socialistas. Num debate aberto sobre o tema, nas jornadas parlamentares do partido em Coimbra, Ascenso Simões questionou a necessidade de fazer leis “a mata-cavalos”.

A pergunta era dirigida a Guilherme d’Oliveira Martins, ex-presidente do Tribunal de Contas, que participou esta terça-feira de manhã no debate com os deputados socialistas. Ascenso Simões admitia não conseguir “identificar as situações” que levam à necessidade de legislar “com urgência, a mata-cavalos, até ao dia não sei quantos de Março”.

A resposta surgiu pelo deputado Paulo Trigo Pereira: “Há aqui algum problema que precisamos de resolver? Eu acho que há. O grande problema é o enriquecimento injustificado de altos cargos públicos”, disse, defendendo ao mesmo tempo que esta legislação de que é subscritor “não é a mata-cavalos. Temos um prazo até Março, mas se se tiver que prorrogar, prorroga-se”, acrescentando que o PSD pediu algum tempo para se pronunciar sobre o assunto.

A pressa ou a urgência acabou por dominar o debate. Para Guilherme d’Oliveira Martins, há uma clara necessidade de legislar sobre esta matéria. “Temos de nos prevenir relativamente a estas situações. Não me pronuncio sobre as urgências, mas pronuncio-me sobre a necessidade. É indispensável não haver pressa que ponha em causa a qualidade da lei, mas é indispensável prevenirmo-nos destas situações em nome da credibilização das instituições”, defendeu. Também a convidada Susana Coroado, investigadora nesta área, defendeu que “há urgência, mas não há pressa” para esta legislação.

João Taborda da Gama, advogado que foi secretário de Estado do curto Governo de Passos Coelho, contrariou a ideia de que não se deve legislar neste momento, uma vez que há “uma tendência de fundo” para legislar sobre estas matérias em vários países. “Percebo que o PS quer posicionar-se nestas matérias e não deixar esta agenda moralizadora a outros partidos à sua esquerda e à direita. Se é este o momento, se mais um mês ou dois meses, parece-me que já é tarde, porque já houve falsos arranques demais”, disse. Para o advogado, este não parece um “processo a mata-cavalos” até porque neste momento pode ser “positivo” legislar por não haver nenhum caso e por isso a legislação poder ser mais “desligada”.

Contudo, o especialista defendeu que esta legislação poderia até demorar mais tempo se o argumento fosse a inclusão de outros órgãos de soberania nestas regras da transparência como o Governo ou a Presidência da República, uma vez que o Governo tem poder legislativo e o Presidente da República tem uma espécie de “softpower” porque pode vetar legislação. Taborda da Gama defendeu, por exemplo que poderia haver um acordo inter-institucional para que o Executivo usasse as mesmas regras de transparência. Uma sugestão levada em boa conta pelo deputado socialista Pedro Delgado Alves, o coordenador do PS para estes projectos.

Transparência não é “voyeurismo”

Não é uma matéria consensual e isso notou-se nas várias intervenções de convidados e deputados esta manhã nas jornadas parlamentares socialistas, apesar de todos considerarem que as propostas do PS vão no caminho certo.

Guilherme d’Oliveira Martins alertou para os limites da legislação. É preciso não confundir transparência com o excesso de transparência ou, por outras palavras, “transparência não é olhar pelo buraco da fechadura; é conhecer o que deve ser conhecido”, defendeu. Taborda da Gama também alertou para o “perigo de se cair na demagogia e no voyeurismo” nas propostas.

Numa das várias notas que deixou sobre o assunto defendeu, por exemplo, que os “subsídios públicos têm de estar sujeitos a escrutínio”, ou seja, que a transparência tem de ir além do público e entrar no privado uma vez que o que está em causa são dinheiros públicos.

Na resposta à deputada do PS, Elza Pais, que falou sobre a necessária flexibilidade da legislação, o antigo presidente do Tribunal de Contas defendeu que a legislação não deve ser demasiado rígida: “Quando os sistemas são muito rígidos, eles tendem a gerar situações que são as que tecnicamente são fraude. Quando a lei é simples e clara, permite. Não há nada pior do que criar biombos. As margens de flexibilidade são por isso indispensáveis”, contrapôs Guilherme d'Oliveira Martins.

Em causa está, sobretudo, a questão da exclusividade dos deputados e as suas incompatibilidades, sobretudo no que aos advogados diz respeito. Taborda da Gama vai contra a corrente e defende que devia haver “exclusividade da função”. "Dizem que pode haver o perigo da profissionalização de deputado. Não acho que seja um perigo; é uma vantagem”, considerou. Neste ponto, sugeriu que a Assembleia da República olhe para as normas das empresas multinacionais sobre este tema, uma vez que o sector privado tem várias normas de incompatibilidades em relação a pessoas politicamente expostas.

Nos pontos com os quais não concorda está sobretudo a questão do regime especial para os advogados do ponto de vista do lobby. “Um advogado não pode litigar, mas não pode fazer consultoria? E um consultor que não seja advogado, que seja economista ou porque é inteligente e conseguir influência? Por quê abrir a umas profissões e não a outras?”, questionou.

Este foi mais um ponto a mostrar alguma divisão na bancada socialista com o deputado Ricardo Bexiga, advogado de profissão, a questionar o porquê de os advogados estarem excluídos da possibilidade de fazerem lobby. O deputado lembrou antigos advogados em funções públicas, como Mário Soares ou Sá Carneiro, e defendeu que tanto um advogado como um “vendedor de fruta” podem fazer lobby. “Estou aqui a representar interesses dos meus eleitores e não a mim próprio.”

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