Durante anos a fio teve o comportamento de qualquer ave migratória, rumando a Lisboa sempre que o Inverno holandês se impunha. “Vinha, anualmente, todos os Dezembros.” Até porque, com um clima mais apetecível que o Norte da Europa, Lisboa tinha o condão de fazer com que se sentisse em casa, tendo aquele ambiente que “apenas as capitais pequenas têm”. Era como se algo em Lisboa o colocasse em Amesterdão.
Tendo chegado a Portugal pela primeira vez logo após o 25 de Abril, foi no Alentejo que teve o primeiro contacto com o país. Vinha para ajudar na Reforma Agrária, mas depressa percebeu que estava tudo por fazer. Só mais de uma década depois aterrou em Lisboa.
“Em 1986, senti o enorme contraste entre o interior alentejano [que o lembrara do país natal na época em que ainda recuperava da II Guerra Mundial] e a capital.” Foi esse o primeiro choque ao chegar a Lisboa. Depois veio o enamoramento. E, por fim, em 1999, o holandês Kees Eijrond, cujo nome se interliga com a história da conhecida companhia belga Rosas da não menos carismática Anne Teresa De Keersmaeker, instalou-se na capital lusa com a certeza de que, depois de conhecer muito mundo, seria aqui que queria continuar a “viajar”. E quando surgiu a oportunidade de adquirir o imóvel, posto à venda por concurso em 2002, os holandeses Kees Eijrond e Naushad Kanji não a deixaram escapar.
“Viajar sem sair do lugar... É isso que acontece num hotel, com as histórias que cada pessoa transporta; é como se o mundo viesse ter comigo e eu passasse os dias em viagem”, confessa à Fugas, entre duas meias de leite, sob o sol que por vezes inunda a cidade de uma luz única e que neste Palácio de Santa Catarina, com uma vista soberba sobre a cidade e o rio que a banha, parece ganhar ainda mais importância.
O Verride Palácio Santa Catarina, que abriu portas no último Outono, nasceu assim de um caso de amor — em e por Lisboa. Sem que nunca tenha sido residência de reis ou rainhas, o espaço, cuja construção original remonta ao período pós-sismo de 1755 (há indicações de um edifício anterior, mas do qual nada restou após o terramoto), presta-se agora a noites principescas, aliando a história e a imponência das suas paredes a um ambiente contemporâneo, cuja simplicidade — depois de tão sumptuosa entrada, a dividir protagonismo com o colorido da esplanada do bar/restaurante Pharmacia e o miradouro onde dezenas se animam aos pés do Adamastor —, oferece uma supresa agradável. Se por fora tudo nos parece magnânimo, lá dentro impera uma simplicidade quase austera que, em vez de nos inibir, permite-nos habitar o espaço e emprestar-lhe a nossa própria vida e cor.
O projecto de reabilitação é assinado pela arquitecta Teresa Nunes da Ponte, que é também responsável pelos interiores, em conjunto com o designer Andrea Previ e as dicas dos proprietários Kees Eijrond e Naushad Kanji. Com um twist muito luso: todo e qualquer material usado quer nas obras estruturais quer na decoração tem marca portuguesa. “Um espaço em Lisboa tem de mostrar o que de melhor tem o país para oferecer.” Por isso, além de os materiais (mármores, madeiras, etc.) terem origem em Portugal, todo o mobiliário foi construído em território nacional. Para Kees Eijrond, nem faria sentido de outra forma.
Luxo (quase) contido
A simplicidade é nota dominante. Mas não é por isso que o luxo não está presente em cada pormenor. A começar logo pela forma como se é acolhido, em que as dosagens voltam a revelar equilíbrio perfeito entre a simpatia e o profissionalismo, permitindo que o hóspede não se sinta quase perseguido pela ânsia de bem receber.
Para ocupar há 17 quartos que se impõem sobretudo pelo espaço. E, até mesmo no piso térreo, pelas vistas. Claro que nada como subir (há escadaria para apreciar, mas o elevador panorâmico é mais um convite a olhar Lisboa) e apreciar a vida alfacinha que se desenha num puzzle feito de telhados de variadas cores e feitios. Dizem-nos que, no topo, está uma das melhores vistas a 360 graus — não ousamos sequer duvidar...
Mas voltemos ao quarto, onde até uma cama tamanho XXL parece pequena e pelo qual cada pequena peça se distingue pela forma como se enquadra, assim como pela sua utilidade. Depois, os mimos em coisas tão simples quanto um farfalhudo tapete que nos acolhe depois de um banho ou um espelho sabiamente colocado para nos dar Lisboa ao lavar do rosto.
Há ainda duas suítes reais (não se trata apenas de uma maneira bonita que encontrámos para designar os aposentos; chamam-se mesmo Suíte da Rainha e Suíte do Rei) e nestas a conversa é outra. Aqui foram mantidos alguns dos toques de decoração de João Lobo de Santiago Gouveia, conde de Verride, que aqui residiu por onze anos até à data da sua morte, em 1921. Assim, a antiga sala de refeições, com a decoração em estuque de tectos e paredes e mobiliário embutido, uniu-se com um espaço onde sobressaem os azulejos com paisagens e caçadas junto ao rio, transformando-se na Suíte da Rainha. Já a Suíte do Rei nasceu no antigo escritório, forrado a madeira trabalhada e onde a presença das antigas lareiras imprimem conforto extra. Cada uma das suítes tem “só” 75 metros quadrados, mais que a maioria dos apartamentos T2...
Enquanto nos espreguiçamos na esplanada, que divide a sala de refeições comum — onde uma só mesa se presta também ao convívio entre estranhos — da piscina com vista para o rio, degustamos um opulento pequeno-almoço. Na mesa do lado, conversa-se em inglês sobre um paradisíaco lugar do outro lado do globo. À minha frente, impera o português cantado do Brasil com histórias de outras latitudes.
Kees tem razão: estar num hotel é uma viagem sem fim à vista nem fronteiras como limites. Com o extra de, neste Verride, a cada olhar nos reapaixonarmos pela cidade.
A Fugas esteve alojada a convite do Verride Palácio de Santa Catarina