Sou mulata, sou híbrida. "Mas és de onde?" "Shakira, Shakira!" "Você é baiana, moça?" "You don't look like portuguese."
Identidade. Durante toda a minha vida tive que justificar a minha cor consoante a geografia onde estava. Nasci e cresci portuguesa, mais orgulhosamente algarvia, filha de pai alentejano e de mãe angolana. Em minha casa sempre houve um misto de barulhos: nas línguas, a minha mãe sempre misturou o português com o inglês por causa do trabalho; na música, ouvia Eduardo Paim e Bonga nos serões vespertinos ao domingo; na cozinha, onde o meu pai facilmente prepara uma açorda ou uma caldeirada de peixe.
Nasci e cresci mista. Na herança angolana sou cabrita porque a minha mãe é mulata — filha de branco com preto — e o meu pai é branco. E isto em Portugal. Nos EUA, fui interpelada por uns jovens que se espantaram com a minha nacionalidade. "Portuguese?", admiravam-se, sempre que a minha origem foi questionada. "But truly, where are you from? You don't look portuguese."
Nunca encaixei no modelo típico de país nenhum, já me chamaram, inclusive, de "pessoa sem bandeira". Sempre cresci como a preta e isso sempre me deixou de peito aberto por carregar uma cultura e uma identidade diferente da maioria das que me rodeiam. Lembro-me, até, de me sentir especial por isso, mesmo sem nunca ter estado sob sol angolano.
No Verão de 2012, em Marrocos, passei quatro dias a ser apelidada de Shakira. Desde há quatro anos que vivo em Moçambique e virei branca. Há semanas, no Rio de Janeiro, perguntaram-me se era gringa num dia e no seguinte abençoaram-me com as características de Salvador da Baía. "Você é baiana?", perguntaram-me num final de tarde no Arpoador.
Sou mulata, mestiça ou cabrita. Sou híbrida, o futuro da sustentabilidade, portanto. Desde há uns anos para cá que esta é a piada sempre que sinto que tenho que justificar a minha cor de pele, o meu cabelo cacheado, o meu nariz de Jonas Savimbi, a minha pronúncia algarvia carregada. Os híbridos são o futuro e é natural que, com a globalização, mais variantes de "misturados" surgirão.
Povo sem bandeira. Mulato é confuso. Mulata não serve para casar. Já ouvi de tudo. A palavra mulato vem de "mula" e a palavra é desde sempre muito controversa, chegando a ser pejorativa. O único problema da utilização de qualquer termo para definir um ser através da sua pele, quer seja ele branco, preto, vermelho, azul ou verde, é quando esse é o primeiro elemento para descrever alguém. No meio das mais diferentes conversas que já tive sobre o assunto, acredito que a atitude deve ser a de indiferença: não deve sequer chegar a ser um tema.