A internet vai salvar Orson Welles
Algumas cenas a vulso apareceram em documentários, houve fragmentos exibidos no Festival de Locarno mas o filme nunca foi acabado. Agora, a Netflix, Peter Bogdanovich e Frank Marshall juntam-se para nos mostrar The Other Side of the Wind.
The Other Side of the Wind é um filme que Orson Welles começou a rodar em 1970. Uma experiência megalómana, era a última hipótese de Welles igualar O Mundo a Seus Pés. Co-escrito pelo realizador e por Oja Kodar, actriz no filme e sua companheira, é um falso documentário rodado em vários formatos sobre um realizador da velha guarda, figura inspirada em Hemingway e numa luta que Welles e o escritor tiveram quando se conheceram nos anos 1930. Interpretado por John Huston – que ganhou o papel três anos após o início da rodagem –, passa-se num só dia, o 70º aniversário do protagonista que quer reinventar-se e agradar à Nova Hollywood. Há um filme-dentro-do-filme que é uma paródia de Antonioni, cuja obra Welles não suportava. The Other Side of the só vai ser visto agora, 33 anos após a morte de Welles, graças ao streaming.
Algumas cenas avulsas apareceram em documentários ou estão disponíveis no YouTube, houve fragmentos exibidos no Festival de Locarno em 2005, mas o filme nunca foi acabado. É que a rodagem foi conturbada – algumas das histórias mais épicas podem ser lidas em Orson Welles’s Last Movie: The Making of the The Other Side of the Wind, livro do jornalista Josh Karp editado em 2015: problemas de dinheiro – Welles ia trabalhando noutros projectos pouco satisfatórios do ponto de vista artístico para conseguir dinheiro para este filme –, a equipa a ser substituída diariamente – porque Welles os despedia ou porque abandonavam o projecto –, a visão a parecer só existir na cabeça do realizador e ainda conflitos com o cunhado do xá do Irão, cuja produtora era responsável pelo filme.
Com a ajuda do Netflix, The Other Side of the Wind vai mesmo ser visto. Frank Marshall, que trabalhou na produção original e está a tentar completar o filme há 40 anos, é o principal responsável. Com consultoria de Peter Bogdanovich, actor no filme e protegido de Welles, ambos seguiram as indicações deixadas pelo realizador. Em princípio, será mais fiel à visão do autor do que O Quarto Mandamento ou A Sede do Mal, que foram trucidados pelos estúdios.
É um sinal de que o streaming tem cada vez mais poder. Só em 2018, o Netflix terá também Maniac, de Cary Fukunaga, com Jonah Hill e Emma Stone, The Ballad of Buster Scruggs, antologia western dos irmãos Coen com James Franco, e Mute, o novo de Duncan Jones – The Irishman, de Scorsese, com De Niro, Pacino e Pesci foi anunciado para este ano, mas é mais provável só estrear em 2019.
Sem certezas de datas, na Amazon haverá Tong Wars, série realizada por Wong Kar-wai, Too Old To Die Young, colaboração entre Nicolas Winding-Refn e o escritor de BD Ed Brubaker, The Romanoffs, criação de Matthew Weiner com Isabelle Huppert e Homecoming, adaptação de um podcast feita por Sam Esmail, criador de Mr. Robot, com Julia Roberts, e Good Omens, baseado no romance de Neil Gaiman e da responsabilidade do próprio.
A Apple tem um reboot de Amazing Stories de Spielberg com mão de Bryan Fuller e duas séries de Reese Witherspoon, uma como protagonista ao lado de Jennifer Aniston e outra, Are You Sleeping, com Octavia Spencer, como produtora. No Hulu, ainda não disponível em Portugal, há a segunda temporada de The Handmaid’s Tale, que chegou cá via NOS Play, e uma adaptação de Catch-22 co-realizada e protagonizada por George Clooney.