A certa altura, um carpinteiro com uma doença do coração, já muito fragilizado, decide propor ao seu médico que troque o seu órgão enfraquecido por um coração de choupo. O transplante (que só poderia acontecer num improviso contado numa história infanto-juvenil) corre bem, mas o carpinteiro que, na verdade, queria ser pescador, começa a sentir-se um pouco estranho. A premissa de O homem coração de choupo pode até parecer um pouco estranha também, mas, mais do que isso, estamos diante de algo inédito: este é o primeiro livro pop-up feito por um português.
Quem o garante é Marco Taylor, o autor deste conto de 18 páginas, em que as coisas nascem e elevam-se ao folhear. Um livro pop-up ou desdobrável monta-se todo à mão, para que as peças encaixem harmonicamente e, ao abrir, a história do carpinteiro que queria ser pescador se desenrole na perfeição. Marco Taylor, de 44 anos, não se lembra de algum dia ter tido contacto com estes "livros animados" em criança. Até porque só nos últimos anos é que a oferta se tem diversificado.
Marco não gosta de se intitular escritor, porque começou a escrever tardiamente. “Não é o meu lado mais forte”, reconhece. A vocação está na ilustração e nas artes visuais, não fosse ele também professor de Educação Visual e Tecnológica, em Cercal do Alentejo (Santiago do Cacém). A vontade de desenhar é que o leva a contar histórias, criando o próprio universo do que conta. No caso de O homem coração de choupo, a história é ligeiramente diferente.
Há mais de um ano, quando o livro começava a desenhar-se na cabeça de Marco, o professor nascido em Lisboa quase não tinha tido contacto com a técnica do desdobrável. “Já nem me recordo por que decidi usar pop-up neste livro. Pode ter sido um vídeo que vi na internet e pensei: ‘Vou fazer um livro assim’”. É assim que funcionam os livros que Marco tem publicado. Antes de embarcar num ano a aprender, testar, desenhar e, no fim, pintar, teve uma pequena experiência numa oficina de duas, três horas, numa altura em que nunca lhe passaria pela cabeça fazer um livro deste género.
Agora, o livro está pronto e os primeiros exemplares a chegar. O homem coração de choupo está a ser produzido numa gráfica chinesa — Hunan Benteng Cultural Creativity —, porque, em Portugal, ainda não há experiência em criar estes livros. A primeira remessa com alguns exemplares para promoção chega em final de Fevereiro, mas o grosso da tiragem chega no mês seguinte. São 1500 exemplares e que já se encontram em pré-venda online. Até 15 de Fevereiro, o preço fixa-se nos 15 euros, sendo que o autor oferece outro livro se a compra for efectuada até final de Janeiro.
Produção dispendiosa
“Nos últimos anos têm aparecido, nas lojas, vários livros pop-up. Sempre houve, mas antes era difícil ter contacto com eles. Ultimamente, conseguimos encontrá-los nas livrarias e, inclusive, traduzidos em português”, explica o professor e ilustrador. “Como têm aparecido algumas livrarias especializadas em literatura infanto-juvenil, têm sido importados alguns títulos de pop-up”, acrescenta.
No entanto, continuava a faltar um livro projectado e criado por um português que pudesse ser o filho primogénito desta técnica em Portugal. O telemóvel de Marco já começou a tocar com convites para sessões de apresentação de O homem coração de choupo, que estará à venda, para já, nas livrarias com que o autor trabalha regularmente — mais de 20 livrarias de todo o país, que pode encontrar no site de Marco Taylor.
Mas por que é que só agora é que chega o primeiro livro pop-up português? A resposta é previsível e envolve sempre questões monetárias. “Acaba por ser um livro caro, não só para quem compra, como para quem produz. E para quem produz é sempre um risco fazer um livro, sabendo que o mercado livreiro já teve melhores dias”, refere.
“O investimento de produção de um livro destes é muito caro”, diz, envolvendo custos de desenho, idealização, material e impressão, que encarecem os livros que usam esta técnica – e que explicam por que a importação de títulos é a norma no mercado livreiro. “Há pessoas em Portugal que conseguiriam fazer um livro, porque têm noções básicas de pop-up, como eu tenho agora. Mas depois tem de se conjugar uma série de factores, uma editora que aposte neles, uma história…”, adianta.
A verdade é que o homem que decidiu testar um coração esculpido de um choupo vai chegar às livrarias no primeiro semestre deste ano, marcando também um lugar na história literária como o primeiro pop-up desenhado pelas mãos de um português.