Sobrevivência em tempos de crise: as mulheres são mais resistentes do que os homens
No estudo, que caracteriza as mulheres como “campeãs da esperança de vida”, foram analisados registos que datam de há 250 anos. As conclusões sugerem que o facto de as mulheres viverem mais está relacionado não só com factores sociais, mas também com factores biológicos.
As mulheres têm uma esperança média de vida superior à dos homens, mas um novo estudo publicado na última edição da revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) revela que esta vantagem se mantém mesmo em tempos de adversidade, como a fome, as epidemias e a escravatura. Isto mostra que a diferença na mortalidade pode ser explicada também por factores biológicos e não somente por questões sociais e comportamentais, até porque a maior diferença na mortalidade existe à nascença: os bebés do sexo feminino são mais resistentes do que os bebés do sexo masculino.
De uma forma geral, os investigadores descobriram que mesmo quando a mortalidade era alta para os dois sexos, as mulheres viviam mais do que os homens. No estudo (coordenado pela professora da Universidade do Sul da Dinamarca Virgilia Zarulli e pelo investigador James Vaupel, da Universidade de Duke, nos EUA), foram analisados os registos de mortalidade que datam de há quase 250 anos (os registos mais antigos são de 1773, altura de fome na Suécia), com dados de humanos que morreram precocemente ora por fome, doença ou por falta de condições.
Foram estudados sete grupos em que a esperança média de vida era inferior a 20 anos para os dois sexos. Um dos grupos analisados no estudo diz respeito aos escravos norte-americanos que foram libertados para a Libéria nos anos de 1800, que corresponde à “taxa de mortalidade mais elevada registada até hoje” – mais de 40% morreram durante o primeiro ano no país africano, provavelmente por causa de doenças para as quais não tinham resistência; poucos bebés nascidos nesta altura passavam do seu segundo aniversário.
Também foram estudados outros casos como a grande fome da Irlanda, de 1845 a 1849, altura em que a esperança média de vida baixou mais de 15 anos; as epidemias de sarampo na Islândia; ou ainda as vítimas da fome na Suécia, Irlanda e Ucrânia entre os séculos XVIII, XIX e XX.
A disparidade entre a esperança média de vida nos homens e nas mulheres é sobretudo afectada pelas diferenças que existem na mortalidade infantil. Em suma, em tempos de adversidade, as bebés recém-nascidas têm mais probabilidades de sobreviver.
“Campeãs da esperança de vida”
A razão que faz com que as mulheres, apelidadas no estudo de “campeãs da esperança de vida”, vivam mais do que os homens é um assunto que intriga os cientistas há décadas.
Actualmente, as mulheres têm uma esperança média de vida maior do que os homens em todos os países – só no Mali os dois valores andam muito próximos, com as mulheres a terem uma esperança média de vida de 58,3 anos e os homens 58,2, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde. Em Portugal, seguindo os mesmos dados, a esperança média de vida das mulheres é de 83,9 anos, comparados com 78,2 anos dos homens. Em alguns países (como a Rússia ou a Lituânia), a disparidade entre os dois sexos chega a ser superior a uma década. Uma maior taxa de sobrevivência nas mulheres é visível não só na espécie humana mas também noutras espécies de mamíferos.
No estudo, a única excepção registada a esta norma foi numa população de escravos em Trindade e Tobago, no início do século XIX, em que os homens viviam ligeiramente mais do que as mulheres – algo que se invertia passada a fase de adversidade.
E porquê?
Os investigadores referem que este estudo “é mais uma peça no puzzle das diferenças na sobrevivência dos dois géneros”. Certo é que mesmo quando têm estilos de vida similares, continua a existir uma discrepância na esperança média de vida entre as mulheres e os homens. Há também uma maior taxa de mortalidade infantil no sexo masculino, altura em que as diferenças comportamentais ainda não têm grande expressão.
É por isso que o estudo defende que esta “vantagem feminina tem raízes em fundamentos biológicos”, além de ser também moldada por factores sociais e comportamentais e diferir de ambiente para ambiente.
Nos factores biológicos que podem afectar estas diferenças na mortalidade está a genética, mais propriamente nos cromossomas – dois cromossomas sexuais X podem ser vantajosos para as mulheres ao evitar que sofram de doenças com origem num dos cromossomas sexuais (que se manifestaria nos homens por só terem um e, no caso da mulher, é “abafado” pelos genes homólogos do outro cromossoma).
Ou ainda as hormonas: a presença de estrogénio ajuda a fortalecer o sistema imunitário contra doenças infecciosas, por exemplo, e pode ter efeitos anti-inflamatórios; por outro lado, a testosterona pode estar associada a um maior risco de mortalidade nalgumas doenças. Isto bate certo com uma série de estudos que mostram que as mulheres tendem a sobreviver mais a doenças cardiovasculares e a cancro.