No lugar do amianto as escolas estão a utilizar materiais altamente inflamáveis
Os incêndios em edifícios que utilizam materias combustíveis como isolamento caracterizam-se pelo elevado número de vítimas mortais. Foi o que sucedeu em Tondela.
As coberturas com amianto estão a ser substituídas em muitas escolas por painéis que têm um material combustível da mesma família do que foi utilizado na Associação Recreativa de Vila Nova da Rainha, Tondela, onde um incêndio matou no sábado oito pessoas e fez ainda 32 feridos, 18 deles em estado grave.
Os incêndios em edifícios que tenham estes materiais têm-se caracterizado pelo elevado número de vítimas mortais, mortes que são provocadas sobretudo pela rápida libertação de fumos tóxicos. Foi o que sucedeu, por exemplo, no incêndio da torre de Grenfell, em Londres, onde dezenas de pessoas morreram num incêndio ocorrido em Junho passado, embora o material ali utilizado não seja o mesmo do que foi aplicado na associação de Vila Nova da Rainha e está a ser utilizado nas escolas, apesar de ser também da família dos plásticos derivados de petróleo.
Segundo o presidente da Câmara de Tondela, José António Jesus, a face interior da chapa de cobertura da associação estava revestida de poliuretano. É também este material, derivado do petróleo, que está a ser aplicado nas escolas, embora de forma diferente da que foi utilizada na associação recreativa, segundo apurou o PÚBLICO num levantamento feito junto de várias autarquias. O Ministério da Educação não especificou quais os materiais utilizados, dizendo apenas que “variam consoante a solução construtiva pré-existente nos edifícios escolares a intervencionar”.
“Na selecção dos materiais e soluções construtivas é cumprida a legislação e regulamentação aplicáveis”, acrescentou. Mas como se verá mais adiante, especialistas ouvidos pelo PÚBLICO têm, contudo, interpretações diferentes sobre o que se encontra ou não proibido pela legislação. E também não é certo se as obras de substituição de amianto foram fiscalizadas depois de concluídas ou se estas fiscalizações, se aconteceram, cumpriram o estipulado no regime de segurança contra incêndios em edifícios aprovado em 2008.
"Risco inadmissível"
O poliuretano, também conhecido por PUR, é um material combustível que em certas situações pode ser “altamente inflamável”, confirmou ao PÚBLICO o engenheiro e investigador principal do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), Carlos Pina dos Santos.
É o que se passa, por exemplo, com o chamado poliuretano projectado, que é utilizado para revestir coberturas ou paredes, não sendo protegido por outros materiais ou seja, fica exposto a ignições. Esta utilização é fortemente desaconselhada pelo LNEC, por constituir “um risco inadmissível”, esclarece Pina dos Santos. Terá sido esta a forma como foi utilizado na associação de Vila Nova da Rainha e que também foi escolhida por algumas escolas.
Mas na maioria dos estabelecimentos escolares em que é utilizado, o poliuretano está confinado entre duas chapas de metal, os chamados painéis sanduiche. Segundo Pina dos Santos, ao ser utilizado desta forma reduz-se aqueles que são os piores perigos associados a este material: grande rapidez de propagação, libertação rápida de gases tóxicos e libertação de partículas incandescentes.
Dentro ou fora da lei?
Para que esta utilização possa ser dada como relativamente segura é necessário, contudo, que estes painéis cumpram os requisitos de reacção ao fogo que são exigidos na lei para a sua aplicação em coberturas. São sujeitos a testes obrigatórios e os resultados destes fixam quais os usos que podem ter.
Pina dos Santos adverte que entre os painéis sanduíches há aqueles que estão dentro das classes de reacção ao fogo aceites para uso nas coberturas e outros que não cumprem estes requisitos, que têm a ver nomeadamente com a velocidade de propagação do fogo e a libertação de fumos e partículas.
Seja qual for a sua forma de apresentação, “o poliuretano é altamente combustível e o seu uso bastante problemático”, refere o especialista de segurança contra incêndios da Associação Portuguesa de Segurança, Marco Miguel. Quanto à regulamentação existente, Marco Miguel considera que ela “não é muito esclarecedora, porque contêm uma série de excepções”.
Feita esta ressalva, frisa que “é preciso ter uma interpretação muito liberal da legislação para incluir estes materiais entre os que se encontram autorizados". Isto quando se trata de coberturas para espaços fechados. Já os espaços exteriores, como os corredores entre pavilhões das escolas, não são tidos em conta na regulamentação existente.
Também no entender da companhia de seguros Allianz, a recente legislação portuguesa “inviabiliza, no caso das coberturas, a utilização dos painéis sanduiche com isolamento combustível, dado o seu fraco desempenho nos ensaios normalizados de reacção ao fogo, nomeadamente na emissão de fumos”, indicou a responsável pelo departamento de comunicação da seguradora, Maria Luís Rodrigues.
“A Allianz continua a liderar [entre as seguradoras] a oposição à utilização de materiais combustíveis na construção de edifícios, em particular nos painéis sanduiche, recomendando a utilização exclusiva de isolantes incombustíveis, como a lã mineral e a lã de vidro”, acrescenta. Estes dois materiais são substancialmente mais caros do que aqueles que são combustíveis, sendo esta uma das razões para que o seu uso não esteja generalizado como sucede por exemplo com o PUR.
O que se passa com as inspecções?
Para além da necessária confirmação de que os painéis sanduíche obedecem às regras fixadas para o seu uso, todas as recomendações internacionais apontam também para a obrigação da sua fiscalização após estarem aplicados. Isto porque, explica Pina dos Santos, é preciso assegurar que o material combustível, que no caso do PUR é basicamente uma espuma, está todo devidamente acondicionado entre as duas chapas de metal: não podem restar pontas soltas para o exterior, nem conterem aberturas nas placas para passagem de cabos. Ou seja, “ a espuma de PUR deve estar devidamente protegida, de modo a evitar ou facilitar a acção directa de uma fonte de ignição”, especifica.
Segundo o regime de segurança contra incêndios em edifícios, os pedidos de autorização de utilização destes têm de ser acompanhados por um termo de responsabilidade dos projectistas e do director de fiscalização da obra de que cumpriram as condições previstas naquele regime. Os edifícios devem depois ser sujeitos a inspecções periódicas, que são obrigatórias, mas que têm de ser pedidas pelo proprietário ou gestor do espaço.
No caso das escolas, a lei prevê que a entidade competente para realizar estas inspecções é a Autoridade Nacional da Protecção Civil (ANPC) ou uma entidade por ela credenciada. O PÚBLICO está há quase um mês à espera de esclarecimentos por parte da ANPC, mas não os obteve. Também questionou os Ministérios do Ambiente e da Educação sobre a fiscalização destas obras.
O primeiro remeteu para o segundo, que confirmou a informação recebida por parte das autarquias: a fiscalização está no geral entregue a departamentos municipais tanto nos jardins infantis como nas escolas do 1.º ciclo, que são propriedade dos municípios, como nas mais de 150 intervenções que foram acordadas para escolas do 2.º e 3.º ciclo ao abrigo do programa Portugal 2020.
Quanto ao papel da ANPC, o Ministério da Educação esclareceu que, no início de Dezembro, teve uma reunião com aquela estrutura “para estabelecer uma metodologia conjunta que garanta o cumprimento do regime jurídico da segurança contra Incêndios em todas as escolas”. “Neste momento existem procedimentos para a realização de inspecções periódicas em escolas públicas do território nacional”. O ministério não indicou se estas inspecções já têm sido feitas ou em quantas escolas se realizaram.