Texto contra instrumentalização da emigração portuguesa é agora petição

Colocaram o texto num popular site de petições, o change.org. Não por o quererem entregar no Parlamento francês, mas para dar a mais gente a oportunidade de o subscrever e assumir uma posição pública contra a retórica do “bom imigrante”.

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Petição já reúne mais de 500 assinaturas contra a instrumentalização da emigração portuguesa (na fotografia, comemorações do 10 de Junho, em Paris) Daniel Rocha

“Não àqueles que gostariam de instrumentalizar a história da emigração portuguesa!” O texto, que o historiador Victor Pereira e o jornalista Hugo dos Santos publicaram no diário Le Monde, transformou-se numa petição, que já reúne mais de 500 assinaturas de outros luso-franceses e portugueses residentes em França.

Antes de publicar o texto, no dia 9 de Janeiro, pediram a outras 47 pessoas que o assinassem, incluindo figuras bem conhecidas, como o sociólogo Albano Cordeiro e o realizador José Vieira. “Sabíamos que muitas outras se iriam rever nas nossas posições e se sentiriam frustradas por não o terem assinado”, diz Victor Pereira. E receberam um feedback ainda maior do que o esperado.

Colocaram o texto num popular site de petições, o change.org. Não por o quererem entregar no Parlamento francês, mas para dar a mais gente a oportunidade de o subscrever, de assumir uma posição pública contra a retórica do “bom imigrante”, trabalhador árduo e subserviente, como contraponto ao “mau imigrante”, o cigano, o subsariano, o que foge de conflitos no Médio Oriente.

Na génese da controvérsia estão incidentes ocorridos na passagem de ano nos arredores de Paris. Com base num artigo sobre o bairro de lata de Champigny, onde na década de 60 chegaram a viver 14 mil portugueses, um jornalista do Le Figaro, Alexandre Devecchio, publicou nas redes sociais um comentário a fazer um contraponto entre o passado e o presente: "Mais de dez mil portugueses viviam na lama. Sem água, sem electricidade etc. E sem violência, nem associação para chorar o racismo. Quem pode negar a desintegração francesa?"

Aquela mesma ideia foi repetida dois dias depois pelo politólogo Laurent Bouvet, durante um debate sobre laicidade no programa 28 Minutos, do canal Arte. "Na década de 1960, como em muitas cidades suburbanas, havia favelas portuguesas em Champigny e não havia ataques policiais. Não houve relação abusiva ainda que não houvesse água corrente, etc." E logo pelo jornalista e ensaísta Benoît Raysk, no site Atlantico.fr.

Os bairros de lata não eram livres de violência, enfatiza Victor Pereira, especialista na história da emigração portuguesa. "A história da emigração portuguesa em França é muito mais complexa."

 O texto que está a ser subscrito recorda pontos específicos dessa história mal conhecida. Os portugueses tinham entrado sem papéis, amiúde deixando para trás as suas famílias, e temiam os informadores da polícia política. Viviam à parte. E “sofreram a rejeição de certos vizinhos, que se queixavam destes estrangeiros e exigiam a intervenção das forças da ordem".

Em 1965, a polícia quis fazer um estudo nos bairros de lata portugueses e os investigadores, em vez de colaboração, encontraram silêncio, medo e ameaças. Nas operações de realojamento, que começaram em 1966 e se estenderam até 1972, houve "muita resistência pacífica" e "alguns episódios de violência".

A imigração de África, em particular do Magrebe, foi servindo de escudo aos portugueses. Os estudos de Albano Cordeiro feitos na década de 80 mostram como. Quanto mais os "árabes" se tornavam indesejáveis, mais eles se esforçavam para ficar invisíveis. 

A verdade, sublinha Victor Pereira, parece ter pouco interesse para quem “procura manipulá-la, usá-la para estigmatizar grupos sociais, reforçar a xenofobia e o racismo". Ora, a história e a memória “não podem ser instrumentalizadas”. E é isso que no seu entender (e no dos subscritores do documento que escreveu com Hugo dos Santos) a extrema-direita francesa está a fazer.

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