Polónia criminaliza ainda mais o aborto
Líder do partido no poder, Jaroslaw Kaczynski, diz que bebés que se sabe que vão morrer ou ter malformações graves devem nascer para serem baptizados.
O Parlamento polaco rejeitou uma proposta que propunha o fim de algumas restrições à interrupção voluntária da gravidez, aprovando em vez delas medidas para tornar o aborto mais difícil.
A Polónia tem as leis mais restritivas sobre o aborto em toda a Europa, com a interrupção da gravidez a ser possível apenas quando a vida do feto ou da mulher estão ameaçadas ou quando a gravidez resulta de violação ou incesto.
Se for promulgada, a Lei Parem o Aborto – uma iniciativa de um grupo de cidadãos ultra-conservadores – pode impedir a interrupção da gravidez mesmo quando há doenças congénitas no feto.
Anualmente, 95% dos abortos legais na Polónia decorrem deste tipo de problemas. Muitas mulheres polacas viajam para o estrangeiro para terminarem a gravidez ou tomam medicamentos abortivos comprados na Internet.
"Foi um dia negro para a Polónia", disse Krystyna Kacpura, directora da Federação das Mulheres e do Planeamento Familiar sobre a votação, na quinta-feira à noite. "Se a lei for para a frente, as mulheres polacas vão morrer. Somos tratadas como descartáveis – só existimos para ter filhos doentes e depois somos deixadas sozinhas, sem qualquer ajuda, a criar esses filhos."
Em 2016, o partido ultraconservador no poder, o Lei e Justiça, foi forçado a recuar na tentativa de proibir totalmente o aborto – a proposta de lei motivou grandes protestos nas ruas.
Mas o líder do partido, Jaroslaw Kaczynski (que os observadores dizem ser quem manda de facto no Governo, apesar de não o integrar), disse que o executivo iria continuar a tentar apertar a lei.
"Vamos conseguir que mesmo nas gravidezes difíceis, quando se sabe que a criança vai morrer ou que vai ter grandes malformações, as mulheres dêem à luz de forma a que a criança seja baptizada e sepultada, que tenha um nome", disse Kaczynski.
Na quinta-feira, ao apresentar a proposta de lei que foi aprovada, em vez da que propunha a liberalização das regras em vigor, Kaja Godek, da Fundação Vida e Família (anti-aborto), disse aos deputados que estava no Parlamento porque não quer que os "hospitais se transformem em matadouros".
Desde que chegou ao poder em 2015, o PiS acabou com os tratamentos de fertilização in vitro pagos pelo Estado e restringiu o acesso à contracepção de emergência, introduzindo a obrigatoriedade de existir uma prescrição médica para a pílula do dia seguinte.
Declaração de fé
Lukasz Szumowski, nomeado ministro da Súde na remodelação governamental da semana passada, é um dos quatro mil médicos que assinaram uma "declaração de fé", comprometendo-se a não fazer "abortos, eutanásia, prescrever contracepção, inseminação artificial ou inseminação in vitro", com base na ideia de que estes actos "violam os mandamentos básicos do Decálogo e rejeitam o criador".
Os deputados aceitaram debater uma proposta para liberalizar as leis do aborto. A proposta de lei "Salvem as mulheres" permitiria interromper a gravidez até às 12 semanas e garantiria o acesso a métodos contraceptivos, a cuidados de saúde e à educação sexual. Mas foi rejeitada – alguns deputados da oposição não apareceram e outros abstiveram-se.
"Muitos deputados acreditam que as suas carreiras dependem da Igreja Católica", disse Kacpura, da Federação das Mulheres e do Planeamento Familiar. “Mas vamos continuar a lutar por isto – estamos a lutar pelas nossas vidas."