No Midwest pede-se um Partido Democrata dos “campónios” para derrotar Trump
Relatório encomendado por uma representante do Partido Democrata no Illinois arrasa a liderança nacional: "É o partido do politicamente correcto e das políticas identitárias."
A não ser que os líderes do Partido Democrata estejam a guardar bem o segredo, a estratégia do partido para voltar a ter uma maioria no Congresso e um Presidente na Casa Branca parece resumir-se a uma aposta arriscada: que o ódio a Donald Trump seja suficiente para mobilizar o eleitorado. Mas lá num cantinho do coração da América, que deu a vitória a Trump em Novembro de 2016, há uma mulher que tem vindo a avisar os seus colegas: se querem voltar a ganhar, é melhor que comecem a ouvir os "campónios" que foram atrás do slogan "Make America Great Again".
Chama-se Cheri Bustos, tem 56 anos, e nas eleições de Novembro de 2016 conseguiu pouco menos do que um milagre: não só ganhou a eleição para a Câmara dos Representantes pelo Partido Democrata numa zona do Illinois dominada pela agricultura e cheia de fábricas ferrugentas, onde Trump foi mais votado do que Clinton, como deixou o seu adversário do Partido Republicano a 20,6 pontos percentuais de distância.
Como já tinha sido eleita em 2012 e 2014, Bustos achou que a sua experiência podia ser uma importante lição para o partido. Esta semana, a poucos dias do primeiro aniversário da chegada de Donald Trump à Casa Branca, Bustos tornou público um relatório cheio de conselhos para a liderança democrata – ao mesmo tempo autópsia e guia para uma nova vida, o documento tem o revelador título "A esperança da Heartland: Como os Democratas podem servir melhor o Midwest levando a sabedoria rural e da classe trabalhadora para Washington". Com 51 páginas, baseia-se em entrevistas a 72 representantes eleitos pelo Partido Democrata em estados da área conhecida como Heartland (que se confunde com parte do Midwest, mais propriamente Ohio, Minnesota, Missouri, Michigan, Iowa, Illinois, Indiana e Wisconsin).
Apesar de conter várias recomendações, há uma que se destaca: "Os entrevistados disseram que o Partido Democrata nacional deve reconhecer os desafios mais básicos enfrentados pelas famílias da classe trabalhadora e manter-se focado neles. Consideram que os eleitores da Heartland vêem o Partido Democrata nacional como um partido fixado em mensagens direccionadas a grupos específicos que não os incluem, ou muito focado em assuntos sociais controversos em detrimento de preocupações económicas."
Para se perceber este recado, é preciso pôr de lado, por um momento, a ideia típica de uma América dividida em dois: de um lado, os liberais cosmopolitas das grandes cidades, das costas e das universidades, que votam no Partido Democrata; do outro, os "campónios" e os rednecks do Centro e Sul do país, que votam no Partido Republicano.
Esta caricatura só começa a aproximar-se um pouco mais da realidade quando se começa a filtrar os eleitores do Midwest que deram a vitória a Trump nas presidenciais, em Novembro de 2016. Parte desse eleitorado cabe na generalização, mas outra parte é constituída por eleitores que sempre se sentiram próximos do Partido Democrata, principalmente por causa da luta sindical em zonas muito industrializadas – uma luta que foi desaparecendo à medida que as fábricas foram encerrando.
Um dos eleitos pelo Partido Democrata nestas zonas perdidas para o Partido Republicano de Trump é Terry Goodin, membro da Câmara dos Representantes do Indiana. No seu estado, os democratas não controlam a Câmara dos Representantes há sete anos, apesar de os eleitores terem dado o benefício da dúvida a Barack Obama na sua primeira eleição, em 2008, vencendo John McCain por um ponto percentual; em comparação, Trump foi o candidato presidencial mais votado em 2016 com uma vantagem de 19,3 pontos sobre Hillary Clinton.
"O Partido Democrata nacional está desfasado da América mais convencional e é um partido regional das duas costas. É o partido do politicamente correcto e das políticas identitárias, em que os vencedores e os perdedores são escolhidos pelos seus rótulos", disse Terry Goodin.
Por outras palavras, o que candidatos como Cheri Bustos e Terry Goodin pedem é que os líderes do partido escolham – ou treinem – outros candidatos como eles para disputarem eleições na América profunda, naqueles sítios onde os eleitores têm dito, através do voto, que estão muito preocupados com o desemprego e com a falta de perspectivas de futuro e nada preocupados com as campanhas contra o assédio sexual ou os direitos da comunidade LGBT.
Num texto do Politico, o repórter acompanhou um encontro entre Terry Goodin e um dos seus eleitores no Indiana, Delmis Burns – um camionista inscrito no Partido Democrata que se apresentou com um boné "Make America Great Again". Durante a conversa, este eleitor que votou em Goodin para seu representante local e em Trump para seu Presidente disse que se recusou a treinar um camionista muçulmano "porque eles fazem-se amigos e depois rebentam com pessoas".
"Não há nenhuma razão para entrar em confronto", disse Terry Goodin. "O Delmis Burns disse aquilo sobre o muçulmano porque não há nenhum muçulmano a viver nesta área. Por isso, não confia neles. Não sabe quem eles são. Mas o Delmis Burns e eu concordamos em 90% das coisas, pelo que não há nenhum motivo para me centrar nos 10% em que não concordamos."
Mas o desafio é enorme, e pode não compensar – o que reforça a ideia de um Partido Democrata à mercê de uma onda de ódio contra Donald Trump se quiser recuperar a Casa Branca. É que o relatório encomendado por Bustos pede que se alargue a definição do que é um eleitor do Partido Democrata: "Se dizemos que somos um partido onde cabe toda a gente, então devíamos começar a comportar-nos como tal", disse Bustos em declarações ao Politico.
É uma viragem que pode ser necessária para chegar a mais lados e dar luta aos candidatos "trumpistas" no Midwest, mas que pode também alienar os eleitores do Partido Democrata que cabem na tal caricatura – os liberais progressistas que não admitem qualquer cedência ou sequer diálogo com algo que cheire a Donald Trump.