Os altos e baixos de Centeno ao ritmo do andamento da economia

A caminho do Eurogrupo, Centeno contou com a economia nos momentos mais difíceis. A 13 de Fevereiro teve de explicar o “erro de percepção mútuo” com António Domingues, no dia seguinte o INE revelou que a retoma estava para ficar.

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A força da economia foi determinante para o sucesso de Mário Centeno Miguel Manso

De rejeitado no departamento de estudos do Banco de Portugal até à tomada de posse esta sexta-feira como presidente do Eurogrupo, Mário Centeno percorreu um caminho improvável. Em apenas cinco anos, o economista sem experiência política passou da teoria à prática e da sombra dos gabinetes para o centro das atenções mediáticasà escala europeia, com pontos baixos e altos feitos ao sabor dos resultados económicos e financeiros conseguidos nos últimos anos por Portugal.

O primeiro passo determinante para a caminhada do ministro das Finanças português rumo à presidência do Eurogrupo – cargo que assume substituindo numa cerimónia em Paris o holandês Jeroen Dijsselbloem - até nem foi dado pelo próprio Mário Centeno, mas sim por Carlos Costa, o governador do Banco de Portugal.

Centeno era há já vários anos o número dois do departamento de estudos do Banco de Portugal e, quando em 2013 o lugar de director vagou, apresentou a sua candidatura, num passo visto como natural na sua carreira académica e de investigação económica, onde se tinha destacado principalmente na área do funcionamento do mercado de trabalho. Esse passo natural contudo não se concretizou.

Carlos Costa decidiu suspender o concurso, afirmando que “as candidaturas não reuniam todos os requisitos” e anunciando em simultâneo que o anterior ministro das finanças, Vítor Gaspar, seria encarregado de redesenhar a missão do departamento de estudos do banco central. Alguns meses mais tarde, foi anunciada uma nova directora para o departamento, sem a realização de novo concurso.

Dentro do Banco de Portugal não há quem duvide que por trás da decisão do Governador de travar a ascensão de Centeno esteve o facto de este ter, em artigos e entrevistas em jornais, criticado algumas das opções do Governo da altura, liderado por Pedro Passos Coelho. Por exemplo, numa entrevista ao Jornal de Negócios em Fevereiro de 2013, em conjunto com o agora secretário de Estado do Tesouro Álvaro Novo, Centeno criticou a estratégia de desvalorização interna salarial seguida pelo Executivo e pela troika e defendeu que a reforma laboral do Governo tinha sido "uma oportunidade perdida". Carlos Costa considerou que esse tipo de intervenção era incompatível com um lugar no departamento que faz as previsões económicas no banco central.

Vindo do Algarve onde nasceu, e depois de ter sido um dos melhores alunos do ISEG em Lisboa e de ter feito doutoramento em Economia pela Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, Centeno estava no departamento de estudos económicos do Banco de Portugal desde 2000 e, ao ser colocado no cargo lateral de consultor especial do conselho de administração, o economista sentiu-se forçado a dar um novo rumo à sua carreira. Uma viragem que acabou, cinco anos mais tarde, por o guiar de forma surpreendente até ao Eurogrupo.

Estratégia para a economia

A oportunidade de seguir outro caminho demorou um ano a surgir. Pouco depois de assumir a liderança do Partido Socialista no final de 2014, António Costa procurava economistas que lhe pudessem preparar uma estratégia credível de redução da austeridade, com regresso ao crescimento e consolidação orçamental, para apresentar nas eleições legislativas do ano seguinte. Mário Centeno era, no meio académico, um dos nomes de referência, tinha uma vasta experiência no Banco de Portugal na simulação dos impactos económicos de diversas medidas e tinha ficado conhecido pela crítica feito ao modelo da troika de desvalorização interna. Além disso, tinha trabalhado com Vieira da Silva e Fernando Medina no Livro Verde sobre as Relações Laborais, sendo por esta via que a ligação a António Costa acabou por ser feita.

Mário Centeno, à procura de um novo desafio, não só aceitou participar como foi ele que coordenou os trabalhos do grupo de 12 economistas. O resultado foi, em Abril de 2015, um relatório que era na prática uma alternativa ao Programa de Estabilidade e Crescimento que tinha sido entregue pelo Governo em Bruxelas algumas semanas antes. Acelerava a devolução dos salários na função pública e a eliminação da sobretaxa do IRS, propunha incentivos à criação de emprego para as empresas e sugeria mudanças na legislação laboral. Com estas medidas, prometia, a economia iria crescer muito mais, o desemprego cair e o rácio da dívida ser mais rapidamente controlado.

À direita, o exercício foi classificado de irresponsável, à esquerda de ser demasiado liberal, mas dentro do PS foi assumido como a prova de que era possível cumprir as regras orçamentais europeias com uma política económica diferente da seguida nos anos anteriores.

Em vez de se limitar a entregar o relatório a António Costa e ao PS e deixar o resto para o jogo político, Mário Centeno assumiu por inteiro o seu papel de autor do relatório e foi ele que o apresentou no Largo do Rato em conferência de imprensa e, nos dias seguintes, em diversas entrevistas à comunicação social. Apesar de ser ainda evidente a sua falta de traquejo na comunicação, o economista, então desconhecido do grande público, tornou-se de um momento para o outro no principal candidato a ser ministro das Finanças num hipotético Governo PS.

Cedências à esquerda e em Bruxelas

O Governo PS acabou mesmo por se formar e Costa confirmou a escolha de Mário Centeno, que assim entrava oficialmente no mundo da política e ficava com a oportunidade de, pela primeira vez, passar à prática as políticas económicas que antes apenas tinha apresentado em teoria.

Contudo, rapidamente foi confrontado com os limites que a política impõe à aplicação de uma lógica meramente económica. Se no programa eleitoral do PS, o programa apresentado pelo grupo de 12 economistas tinha sido seguido praticamente na íntegra, no programa do governo foram introduzidas muitas mudanças, por força das exigências feitas pelo Bloco de Esquerda e pelo PCP para apoiarem o Executivo.

Centeno viu as suas ideias para o mercado de trabalho e as medidas de redução dos custos do trabalho para as empresas serem adiadas, sendo também forçado a acelerar mais um pouco a reversão das medidas da troika que tinham reduzido os rendimentos das famílias.

Foi, por isso, num ambiente de grande desconfiança por parte dos seus colegas que, no dia 7 de Dezembro de 2015, participou na sua primeira reunião do Eurogrupo. Em Bruxelas, poucos meses depois da crise que quase tinha lançado a Grécia para fora da do euro, a última coisa que se queria ver era um país saído de um programa de ajustamento decidir apontar para uma estratégia económica alternativa. Mário Centeno estava muito longe de ser visto pelo colegas como um parceiro que poderiam vir a eleger como presidente do grupo, o que queriam perceber era se seria um novo Varoufakis.

E nos meses seguintes, essa desconfiança não se esbateu. Quando o Governo entregou, a 22 de Janeiro, o esboço do Orçamento para 2016, a Comissão Europeia não gostou das medidas e o cenário de um chumbo inédito do OE por Bruxelas foi colocado em cima da mesa. Com o presidente do Eurogrupo a afirmar haver “preocupações graves” relativamente a Portugal, Centeno viu-se forçado a amputar ainda mais o seu plano para a economia. Aceitou não cortar as contribuições sobre os salários mais baixos e aumentou os impostos sobre o consumo para garantir que a Comissão Europeia deixava passar o orçamento.

O drama das discussões com Bruxelas regressou apenas passados alguns meses, já que, em Julho, a Comissão começou a debater se iria aplicar sanções a Portugal e a Espanha por causa do incumprimento das metas do défice em 2015. Na altura, a economia dava sinais bastante negativos e o défice no primeiro trimestre do ano tinha ficado em 3,2%, por isso, a Comissão, que passou a exigir um défice de 2,5% ao Governo mas que previa 2,7% se nada fosse feito, exigia a tomada de novas medidas.

Foi nesse momento que Mário Centeno encontrou a estratégia que o iria ajudar a confortar Bruxelas (que com Juncker estava agora mais flexível) sem ofender os partidos à esquerda do Governo. Não prometeu novas medidas, mas disse que o Executivo tinha uma almofada orçamental constituída pelas cativações que serviria para corrigir qualquer derrapagem orçamental.

Mesmo com países como a Alemanha a mostrarem uma posição crítica, a Comissão acabou por, de forma surpreendente, esquecer a aplicação de qualquer multa. E o episódio, acabou por constituir um primeiro sinal de que, nos meios europeus, se via o ministro das Finanças português como alguém em quem se podia confiar.

A economia contudo não dava ainda, pelo menos nos dados oficiais que iam sendo divulgados, quaisquer sinais de retoma. Em Agosto, o INE anunciou que o crescimento homólogo do PIB na primeira metade do ano não tinha ultrapassado os 0,9%, o que colocava a meta de 1,8% traçada pelo Governo muito longe de ser alcançada. Mais: o investimento caia, o que dava argumentos a quem dizia que a estratégia do Governo estava a assustar os investidores (mesmo apesar de essa queda ter tido início em meados de 2015).

As agências de rating mantinham as classificações de “lixo” que atribuíam a  Portugal desde a crise e o ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble não tinha problemas em afirmar que “Portugal estava no caminho certo até eleger este novo Governo”. Nos mercados, as taxas de juro subiam bem acima dos 4%.

Mário Centeno estava nesta altura sob forte pressão interna e externa, com a sua estratégia colocada em causa, e com todas as suas atenções a terem de estar viradas para os sucessivos problemas surgidos no sector bancário, nomeadamente no Novo Banco e na Caixa Geral de Depósitos. Um sinal positivo da economia, que ajudasse também as finanças públicas, era urgentemente necessário.

A ajuda no momento certo da retoma

Esse sinal surgiu a 15 de Novembro de 2016. Nesse dia, o INE anunciou que no terceiro trimestre a economia acelerou de uma taxa de variação homóloga de 0,9% para 1,6%, um resultado que surpreendeu todos os analistas. O principal contributo veio das exportações, que aceleraram em quase todos os produtos, com as receitas do turismo, em particular, a mostrar uma força impressionante.

Nessa altura, contudo, ainda não havia certeza se o resultado do terceiro trimestre seria para manter no futuro e a verdade é que o momento mais baixo do mandato do ministro Centeno ainda estava para chegar.

No processo de recapitalização da Caixa, as dúvidas que se geraram relativamente àquilo que o ministro teria prometido a António Domingues – o escolhido para liderar a administração do banco – colocaram Mário Centeno numa situação de grande debilidade política. Ainda assim o ministro não avançou para a demissão e António Costa decidiu não o deixar cair. A solução acordada entre António Costa e a Presidência da República foi a convocação para o dia 13 de Fevereiro de 2017, de uma conferência de imprensa em que Centeno se viu forçado a assumir culpas naquilo a que chamou “eventual erro de percepção mútuo” entre ele e Domingues.

Centeno, com a sua credibilidade doméstica colocada ao nível mais baixo desde que assumira o lugar de ministro, precisava rapidamente de mostrar resultados na sua acção governativa. Dificilmente esses resultados poderiam ter chegado mais cedo. No dia seguinte, a 14 de Fevereiro, o INE anunciou que no quarto trimestre de 2016, a economia tinha acelerado ainda mais, para 1,9%, mostrando que a retoma do trimestre anterior não tinha sido pontual.

A partir desse momento, assistiu-se a uma sequência de boas notícias na frente económica que há muito não se via em Portugal. No final de Março, ficou a saber-se que o Governo cumpriu com uma margem confortável a meta do défice de 2016. Em Maio, a Comissão Europeia decide retirar Portugal do procedimento por défice excessivo. Em Agosto, o crescimento da economia aproxima-se dos 3%. Em Setembro, a Standard & Poor’s retira Portugal do “lixo” e em Novembro as taxas de juro caem abaixo de 2%.

Tudo isto é conseguido, garantindo ao mesmo tempo duas coisas que antes pareciam impossíveis: que o Bloco de Esquerda e o PCP continuassem a deixar passar orçamentos e que Wolfgang Schäuble elogiasse os “progressos impressionantes” conseguidos pelo Governo.

Para o economista Mário Centeno, agora já com provas dadas na economia, estes sucessos económicos em Portugal e os elogios políticos no resto da Europa abriram a porta para a liderança do Eurogrupo, possibilidade que tinha começado logo a ser ponderada em Abril do ano passado e que se tornou definitiva a partir do momento em que Costa assegurou o apoio de Merkel. Esta sexta-feira, Centeno vê em Paris Dijsselbloem entregar-lhe o lugar.

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