Ordem dos Médicos aprova uso de cannabis em várias situações mas só como medicamento, não fumada

Bastonário diz que cannabis e canabinóides podem ser usados no alívio da dor crónica em adultos e das náuseas nos tratamentos oncológicos, além do controlo da ansiedade.

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Projectos do BE e do PAN quanto ao uso da planta para fins medicinais são hoje discutidos no Parlamento Paulo Pimenta

A Ordem dos Médicos (OM) concorda com o uso de cannabis ou derivados da planta para fins terapêuticos num vasto número de situações, como o alívio da dor crónica em adultos, das náuseas e vómitos associados aos tratamentos oncológicos e até no controlo da ansiedade, mas apenas na "forma medicamentosa" .

“Neste momento não é sensato que a cannabis seja utilizada na sua forma original [fumada]” com fins medicinais, como prevêem os projectos de lei do Bloco de Esquerda e do PAN (Pessoas-Animais-Natureza) que nesta quinta-feira vão ser discutidos na Assembleia da República, defende o bastonário da OM, Miguel Guimarães, apoiado num parecer de especialistas já aprovado pelo Conselho Nacional Executivo da Ordem.

“Não é lógico autorizar que se fume a erva numa altura em que já existem medicamentos (comprimidos, óleos, sprays) aprovados” para fins terapêuticos, justifica Miguel Guimarães, para quem os projectos de lei do BE e do PAN “têm coisas que fazem sentido mas devem ser adaptados”.

Sobre o auto-cultivo da planta, também previsto nas propostas dos dois partidos, é peremptório: “Não faz sentido nenhum neste momento”.”Temos uma evolução para fazer. Devemos começar como os outros países apenas com medicamentos e só mais tarde pensar na via do fumo”, enfatiza.

Os projectos de lei dos dois partidos são, na sua base, semelhantes. O BE especifica que as preparações podem incluir as folhas, flores, resina, sementes, os sais ou o óleo da cannabis. Ambos os projectos de lei permitem o auto-cultivo apenas ao doente e em quantidade limitada, sempre com autorização prévia das autoridades de saúde.

“Forte evidência científica” da eficácia

Para que a OM pudesse tomar uma posição, o bastonário pediu ao Conselho Nacional da Política do Medicamento um parecer. Fazendo uma revisão da literatura e da informação sobre ensaios clínicos, os especialistas deste conselho da OM concluiram que há “forte evidência científica” da eficácia do uso de cannabis e seus derivados não só no alívio da dor crónica em adultos e como anti-emético no tratamento de cancros, mas também na redução da espasticidade (aumento de contracções musculares) na esclerose múltipla e no controlo da ansiedade.

“Com moderada evidência”, consideram que “poderá ser usada na melhoria do sono em pessoas com apneia obstrutiva do sono, fibromialgia, anorexia por cancro ou stress pós-traumático, e em glioma [tumor cerebral]”.

É em todas estas situações que a Ordem tem “abertura” para aceitar a utilização de medicamentos extraídos da planta, frisa Miguel Guimarães. “O que os médicos não podem é prescrever uma caixa de folhas de cannabis”, diz.

De resto, nos países europeus que têm autorizado o uso de cannabis com fins medicinais “o que se utiliza são os medicamentos”, afirma. Na própria Holanda, em que está despenalizado o consumo recreativo, o que está indicado para fins medicinais são os fármacos, acrescenta. Mesmo nas situações em que há indicação, estes fármacos devem ser usados como “tratamento alternativo, não em primeira linha, mas em segunda ou terceira”.

Na doença de Parkinson não

No parecer, há ainda uma lista de condições clínicas em que os peritos defendem não haver evidência científica da eficácia do uso de cannabis: epilepsia, espasticidade por lesão medular, esclerose lateral amiotrófica, glaucoma, doença de Parkinson e esquizofrenia.

Sublinhando que “nenhum país europeu actualmente autoriza a cannabis fumada para fins médicos”, os especialistas consideram que a regulamentação do consumo directo é “desafiante dada a heterogeneidade das quantidades, eficácia e segurança dos seus componentes activos (tetraidrocanabinol, canabidiol e outros)”.

Frisam ainda que não devem ser negligenciados os potenciais riscos, lembrando que há “forte evidência” da associação do seu consumo ”e desenvolvimento de dependendência, esquizofrenia e outras psicoses”, bem como “agravamento da dificuldade respiratória, bronquite crónica e acidentes rodoviários”. 

Quanto a uma eventual permissão do uso directo da planta ou seus derivados, este órgão da OM sustenta que “deve ser alvo de reflexão ponderada e multidisciplinar”, levando em conta a “vontade da sociedade devidamente esclarecida”.

Miguel Guimarães diz ainda que em Portugal, onde há já projectos aprovados de exploração de cannabis para fins medicinais, existe um potencial de investigação sobre esta matéria: "Temos aqui uma janela de oportunidade para o país fazer investigação nesta área, em parceria com universidades e hospitais".

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