Na Venezuela, “o verdadeiro petróleo é o cacau”

As barreiras colocadas à exportação condicionam o crescimento dos produtores artesanais de chocolate, que encontram no comércio gourmet a sua sobrevivência.

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Em Paris, Nancy Silva já vendeu 1kg do seu chocolate por 80 euros Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS
Duas produtoras artesanais de chocolate em Caracas
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Duas produtoras artesanais de chocolate em Caracas Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS
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A elite venezuelana está a ajudar os produtores artesanais e comerciantes de chocolate a combater a crise em que o país está mergulhado. A produção de chocolate gourmet é, por estes dias, sustentada pela procura da pequena classe alta da Venezuela, com as lojas em que é vendido a contrastar com as prateleiras vazias da maioria dos supermercados. O negócio poderia, ainda assim, ser muito mais rentável para os pequenos empresários — sujeitos aos limites burocráticos impostos pelo Governo da Venezuela, que dificultam a sua exportação e fazem com que o cacau ganhe a fama de “petróleo venezuelano” entre os produtores.

É artesanalmente que Nancy Silva e quatro ajudantes preparam o chocolate aromatizado que embalam à mão, para ser vendido em lojas de luxo da capital venezuelana. Formada em nutrição, Nancy Silva conta à Reuters que a maior dificuldade não é chegar ao sabor ideal do produto, mas contornar as barreiras burocráticas colocadas pelo Governo venezuelano e que tornam praticamente impossível a exportação e crescimento do seu negócio. Esta é uma queixa transversal ao negócio de Nancy e a mais duas dezenas de novos comerciantes de cacau que nos últimos tempos surgiram no país.

No Panamá, nos EUA, na Holanda e no Japão, os preços de uma tablette feita 100% de chocolate aromatizado venezuelano pode ser vendido por 16 euros. No entanto, na Venezuela, o preço médio não ultrapassa os 0,90 euros, o que restringe o potencial crescimento do negócio destes produtores artesanais. O desequilíbrio de preços aponta as divergências que afastam o mercado da prática de comércio justo. Ainda assim, a venda a 0,90 euros já corresponde a um preço fora do alcance da maioria dos milhões de venezuelanos que ganham menos de um euro por semana.

Ainda assim, para os produtores artesanais de chocolate, estas tablettes gourmet são essenciais e um motor de oxigénio no colapso sufocante em que está economia da Venezuela. “O nosso verdadeiro petróleo é o cacau”, compara Nancy Silva, dona da chocolataria Kirikire, que ambiciona conseguir exportar para o mercado francês. Foi lá que em 2014 Silva vendeu um quilograma do seu chocolate a 80 euros, o equivalente a cinco anos de salário mínimo na Venezuela – que Nicolás Maduro já prometeu aumentar em 40%. De acordo com o Presidente venezuelano, os trabalhadores passarão agora a ganhar 797.510 bolívares por mês (o equivalente a cerca de 65 euros). No entanto, este aumento poderá fazer com que os preços aumentem ainda mais, depois de os preços terem subido mais de 1300% entre Janeiro e Novembro de 2017, alertam alguns analistas.

Além das dificuldades que surgem na produção do chocolate provocadas pela hiperinflacção ou pelo racionamento de produtos impostos pela escassez de oferta, Nancy Silva luta diariamente contra ineficaz burocracia.

O país que outrora tinha como principal motor da sua economia o petróleo vê o cacau a conquistar o espaço do “ouro negro”.

A razão assenta na qualidade do chocolate, feita 100% de cacau venezuelano, sem misturas, ao contrário de outras marcas gourmet comercializadas. Foi por isso que a Organização Internacional de Cacau determinou que todo o cacau venezuelano tem “qualidade e é aromático”, uma distinção atribuída a apenas mais 22 países e que representa menos de 5% da produção global.

A qualidade do chocolate aromatizado com frutas e sal marinho é também a imagem da marca gourmet Mantuano, conduzida por Giovanni Conversi e mais quatro trabalhadores no segundo piso de uma velha habitação em Caracas. Um terço da produção desta marca, que chega às 9000 tablettes por mês, é vendida para a Europa e EUA. Um dos traços que distingue a qualidade da marca é o processo de fermentação do aroma, que acontece em sacos de plástico enterrados e não em caixas de madeira, como acontece na maneira tradicional.

O sucesso do comércio de chocolate é também testemunhado pela marca El Rey. Com 40 anos de história, a El Rey consegue exportar os seus produtos e evitar situações como as relatadas pelos comerciantes artesanais, que se vêem obrigados a transportar os seus produtos em malas de viagem, em voos comerciais.

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