Peixinho: um compositor virado para o mundo
Cinco primeiras gravações de obras de um dos mais influentes pioneiros da contemporaneidade musical portuguesa.
Ilustração do rico imaginário de Jorge Peixinho (1940-1995), este álbum reveste-se de particular relevância por incluir cinco primeiras gravações, cobrindo quase trinta anos de criação camerística e tornando acessíveis obras com mais de vinte anos de vida de um compositor cuja face internacional aqui se encontra bem patente.
Figura cimeira da composição e divulgação da música do século XX, que trabalhou com Luigi Nono, Karlheinz Stockhausen e Pierre Boulez, Peixinho soube tirar partido da convivência com esses compositores incontornáveis, desenvolvendo uma poética pessoal que se traduz num mundo sonoro de traços reconhecíveis. Em 1970, fundou o Grupo de Música Contemporânea de Lisboa (GMCL), através do qual foi divulgando a obra de outros compositores, mas também a sua, de que são exemplo as seis peças que integram este álbum.
Concluída em 1976, Canto da Sibila é dedicada ao clarinetista espanhol Jesus Villa Rojo (1940). Além de clarinete, piano e instrumentos de percussão, nos quais se incluem garrafas e copos de alturas definidas, nela intervêm luzes e perfumes que concorrem para o forte carácter sinestésico que o registo discográfico, naturalmente, não transparece. A mais antiga das obras deste álbum é Sequência, composta em 1964 (e revista em 1993/94) a convite do flautista italiano Severino Gazzelloni (1919-1992)– para quem também Berio, Boulez, Maderna e Stravinsky escreveram. Esta peça, que à flauta alto junta celesta e percussão, vive da coexistência de três elementos distintos: um sopro cuja presença é conquistada no esvaziamento do espaço da celesta, complementada por apontamentos de uma percussão que quase se assume como “personagem” principal.
Encomendada pelo Centro para a Difusão da Música Contemporânea de Madrid, dedicada ao compositor madrileno Tomás Marco (1942) e estreada no Festival de Alicante de 1991, Mediterrânea– para clarinete baixo, trompete, harpa, guitarra, piano/celesta, percussão, violino e violoncelo– é definida pelo autor como uma espécie de quadro alegórico de imagens sonoras, buscando reflectir os dois espaços mediterrânicos: o telúrico e o aquático.
Inspirada por memórias musicais, “longinquamente aludidas”, de Stockhausen (Gruppen) e Ravel (Jeux d’eaux), Serenata per A– A de Aldo Brizzi, que solicitou a sua composição, mas também de Antidogma, agrupamento musical turinês que a estreou, e de Acqui Terme, cidade onde decorria o Festival Prospecttive Musicali, em que foi estreada, em 1981– é descrita pelo compositor como “uma melodia de timbres, projectada em múltiplas dimensões continuamente variáveis”, recorrendo a flauta (piccolo e alto), guitarra, piano e percussão.
Originalmente composta, em 1982, para meio-soprano e piano, a partir de um poema do musicólogo florentino Renzo Cresti (1953), Ulivi Aspri e Forti II (1984) consta de uma recriação da parte instrumental para a formação-base do GMCL (que a estrearia a segunda versão em São Paulo): flauta (piccolo), clarinete (baixo), trompete, harpa, guitarra, viola e violoncelo.
A concluir esta viagem, que descobre também a teia de relações que Peixinho mantinha com Espanha e Itália, Sine Nomine (1987) foi descrita pelo compositor como uma revisitação de obras anteriores, visando recuperar elementos musicais, significativos para cada um dos instrumentos, passíveis de ser integrados numa obra aberta radical, que tornasse possível uma “verdadeira improvisação interactiva”, assente em trechos escritos e tocados livremente.
Ainda que algumas destas obras pudessem beneficiar de uma interpretação com maior brilho, este é um registo que testemunha, uma vez mais, a militância do agrupamento fundado pelo próprio Jorge Peixinho, colectivo que mais se tem empenhado em manter viva a obra do compositor.