Muitas pessoas com deficiência física ou psíquica “ficam à margem de quaisquer medidas de protecção”

Há vários entraves. “O papel da família, que ora dá ao necessitado todo o apoio no seu seio, ora o desconhece”, é um deles, diz estudo de António Menezes Cordeiro e António Pinto Monteiro.

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Barbara Raquel Moreira

Apesar de se ter multiplicado o número de incapazes para gerir as suas vidas e ou os seus bens, a maioria das pessoas com capacidades diminuídas continua a não estar abrangida por nenhuma protecção. E a culpa é do regime em vigor desde 1966, ao que se lê num estudo que serve de base à mudança legislativa que está em preparação no Governo.

Há dois anos, quando se assinalavam os 50 anos do Código Civil, as faculdades de Direito das Universidades de Lisboa e de Coimbra aceitaram colaborar com o Ministério da Justiça na revisão do regime de incapacidades. Já em Abril do ano passado, a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, recebeu o resultado, que recomenda mudança, atendendo à experiência nacional, à evolução demográfica, ao exemplo de países vizinhos e à adopção de instrumentos internacionais, com destaque para a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

Com o aumento da esperança de vida, não pára de subir o número de pessoas com capacidades diminuídas. O estudo — feito pelos decanos dos civilistas António Menezes Cordeiro e António Pinto Monteiro — afirma que “devemos ter consciência que a larga maioria das situações de insuficiência ou de deficiência físicas ou psíquicas ficam à margem de quaisquer medidas de protecção”.

Os autores adiantam “explicações”: desde logo, “a desadequação do sistema em vigor, assente na interdição/inabilitação”. O modelo actual está baseado na ideia de tudo ou nada (capacidade/incapacidade). Não integra a flexibilidade que a realidade oferece (perda progressiva de capacidades).

Há outros entraves: “O papel da família, que ora dá ao necessitado todo o apoio no seu seio, ora o desconhece; a falta de bens que suscite o interesse dos familiares; o facto de os familiares terem, por uma via ou outra, acedido a todos os bens relevantes”. E “o tipo de publicidade previsto na lei, com anúncios prévios nos tribunais, nas juntas de freguesia e nos jornais, o que perturba o recato pessoal e familiar que sempre deveria acompanhar situações deste tipo”.

O estudo não se limitou à análise de documentos e estatísticas. Implicou inquéritos por amostragem junto de médicos, advogados e magistrados, em busca de ideias para melhorar o regime em vigor desde 1966. E aí deparou-se com um consenso em torno da necessidade de rever a legislação.

Os médicos recomendam que no exame pericial intervenha o médico de família. Parece-lhes que tem uma posição privilegiada não só para explicar o início da doença e o seu alcance, mas também “para depor sobre a interligação do paciente com a sua família e com o meio socioeconómico onde se insere”.

Os magistrados chamaram a atenção para “o escasso relevo da inabilitação: a problemática tem, essencialmente, que ver com demência e interdição”. Os advogados, por sua vez, mencionam “a demora do processo de interdição (muitos não chegam ao seu termo por morte do interdito), a incerteza dos negócios celebrados pelo interditado ou pelo seu procurador no período (por vezes alongado) que medeia entre o levantar do problema e o termo do procedimento judicial”.

O que está em cima da mesa é uma proposta de mudança total: em vez de a pessoa com capacidade diminuída ser substituída na sua vontade, é apoiada na formação e exteriorização da sua vontade. Quer isto dizer que em vez de interditos ou inabilitados deverá haver maiores acompanhados.

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