Pacto ou meio pacto?
Pacto da Justiça deixou de fora delação premiada e enriquecimento ilícito.
Qualquer semelhança entre o pacto para a Justiça pedido por Marcelo Rebelo de Sousa, na abertura do ano judicial, em Setembro de 2016, e o consenso a que este fim-de-semana chegaram juízes, procuradores, advogados e afins pode ser pura coincidência. O que o Presidente da República pediu foi um pacto entre os vários agentes da Justiça, que contivesse propostas para a aprovação dos partidos políticos, uma vez que o consenso entre estes quanto a acordos de reforma do sector têm sido inviáveis, mas o que poderá obter pode não passar de um arremedo. O que resultou da cimeira de Tróia, convocada com o objectivo específico de responder ao desafio de Marcelo, foi um acordo em matérias pacíficas e um desacordo no endurecimento do combate à criminalidade.
Os chamados agentes da justiça aprovaram por unanimidade propostas sobre temas como organização judiciária, justiça económica, acesso ao direito e à criminalidade económico-financeira. Estiveram de acordo sobre o alargamento dos “mecanismo de comunicação da justiça”, novos “mecanismos de cobrança, penhoras e vendas” ou a “implementação de mecanismos de agilização da investigação e repressão criminal no crime económico-financeiro”. Todavia, questões como o enriquecimento ilícito ou a delação premiada ficaram de fora deste pacote por falta de consenso, nomeadamente porque os advogados terão sempre a dificuldade em aceitar denúncias de criminosos arrependidos em troca de uma redução de pena, por entenderem que a figura colide com os direitos fundamentais dos cidadãos. A divergência está em saber quem é o cliente e o receio em saber até que ponto António Ventinhas, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, tem ou não razão no que afirmou ontem: “O pacto é manifestamente insuficiente para resolver os problemas de criminalidade económico-financeira do país”.
Não é líquido que as 80 propostas que serão enviadas para Belém sejam suficientes para fazer da justiça uma prioridade, como defendia Marcelo, ou que acabem com a percepção mais comum de que a justiça portuguesa é lenta, cara e classista. Não, não vão acabar. E é até possível que não tenham a força suficiente para levar os partidos a adoptar algumas delas. Mas também é inegável que este pacto é o princípio de algo recomendável que merece ser concluído. Porque aparenta não estar. Pacto ou meio pacto?