Crianças estão mal preparadas para riscos emocionais
Responsável inglesa pelos direitos das crianças identifica uma idade crítica para o surgimento de riscos da utilização das redes. Quando a guerra de "gostos" e a partilha de fotografias substitui os jogos é o momento em que as brincadeiras podem dar lugar à ansiedade e a problemas de auto-imagem.
Um relatório da comissária inglesa para os direitos das crianças, Anne Longfield, alerta para o facto de os menores estarem mal preparados para lidar com as redes sociais num período-chave do seu desenvolvimento - a transição da escola primária para o ciclo seguinte, a partir dos 10 anos - expondo-as a riscos para o seu bem-estar emocional.
Apesar de serem ensinadas sobre segurança online ao longo da escola primária, as crianças não são adequadamente preparadas para outro tipo de desafios que surgem com a utilização das redes sociais, como problemas de auto-imagem que podem ser acompanhados por crises de ansiedade ou depressão.
Enquanto as crianças com idades entre os oito e os dez anos tendem a usar as redes sociais de uma forma lúdica, utilizando-as para disputar jogos entre si, nos anos seguintes começam a fazer uma utilização mais social de redes como o Instagram e o Snapchat, procurando “gostos” e comentários positivos nas suas publicações, cita o jornal britânico Guardian. E começam a ficar mais preocupadas e embaraçadas com o que o relatório designa como sharenting: o fenómeno da partilha de imagens pelos pais, sem a autorização das crianças e adolescentes.
“Estou preocupada que várias crianças comecem o ensino básico mal preparadas para lidar com as redes sociais. É também evidente que as empresas que detêm as redes sociais continuam sem fazer o suficiente para que as crianças menores de 13 anos parem de usar as suas plataformas”, afirma a comissária britânica, instando pais e professores a investirem mais na preparação dos seus filhos e alunos, sugerindo aulas obrigatórias de literacia digital.
“Tem de haver um papel mais activo das escolas em certificar-se de que as crianças estão a ser preparadas emocionalmente para os desafios das redes sociais. E as empresas das redes sociais têm de ter mais responsabilidade. Senão haverá um risco de deixar uma geração de crianças a crescer em busca de ‘gostos’ para se sentirem felizes, preocupadas com a sua aparência e imagem como resultado de uma percepção irrealista do que vêem nas redes sociais”, referiu Longfield.
A responsabilidade dos pais e das escolas
Também em Portugal têm sido realizados estudos sobre o impacto das redes sociais nas crianças, adolescentes e jovens adultos. Em 2017, o Instituto Superior de Psicologia concluiu que 70% dos jovens portugueses com menos de 25 anos apresentam sinais de dependência em que 6% admite ter ficado “sem comer ou sem dormir por causa da Internet”.
No mesmo ano, o médico psiquiatra Diogo Telles Correia alertava que as redes sociais expõem “os adolescentes a um contínuo fluxo de informação, que os estimula constantemente e alimenta uma personalidade hiperactiva e que pode conduzir, não raramente, a situações de ansiedade”, comentando dados então divulgados pela Marktest que identificavam um crescimento da utilização das redes, entre 2008 e 2015, entre todas as faixas etárias, de 17,1% para 54,8%.
Ainda sobre esses dados, a psicóloga Rosário Carmona defendia que é na escola que tem de ser feita a prevenção dos problemas associados ao uso das redes sociais e que a mesma “está muitíssimo desvalorizada”. Por seu turno, o médico psiquiatra Daniel Sampaio responsabiliza os pais: “Devem acompanhar a inscrição e a publicação dos primeiros conteúdos e têm que ter uma dimensão ética, explicando-lhes o que devem e o que não devem fazer. Têm que lhes explicar que não devem comentar as imagens dos outros, que não devem fazer comentários sobre os corpos dos amigos, que podem comunicar e trocar determinadas imagens dos sites que encontram mas que não devem publicar imagens de pessoas".
Também em 2017, um estudo por uma dupla de investigadoras da Universidade Católica Portuguesa e da Universidade do Minho que acompanhou um grupo de oito crianças portuguesas ao longo de dois anos (dos seis aos oito) identificava uma idade crítica relativamente à utilização das redes sociais, concluindo que é aos oito anos que se vê o maior salto na sua autonomia online e que é também nessa altura que começam os riscos dessa exposição.
Texto editado por Pedro Guerreiro