Actuação de polícias sob suspeita no caso da morte de assaltante em Lisboa
Agentes estão a ser investigados por homicídio após assalto a carrinha de valores. Fugitivos não dispararam contra polícias que os podiam ter detido antes.
A morte de um assaltante, depois de ter sido atingido por uma bala disparada pela PSP, em Queluz de Baixo, na semana passada, está a ser investigada pela secção de homicídios da Polícia Judiciária de Lisboa. A comissão dos direitos humanos da Ordem dos Advogados também já pediu explicações à Inspecção-Geral da Administração Interna.
Em causa está apurar se os membros do Grupo de Operações Especiais (GOE) da polícia que participaram na operação tinham mesmo de necessidade de disparar naquelas circunstâncias. A lei é muito estrita em relação ao recurso a armas de fogo pelas forças policiais. Diz que apenas é permitido em caso de absoluta necessidade, como medida extrema, e quando outros meios menos perigosos se revelam inúteis. Se for mesmo obrigado a disparar, o agente deve esforçar-se por reduzir as lesões ao mínimo, preservando a vida do seu alvo. Tanto o código deontológico do serviço policial como outras normas internas da PSP expressam também esta preocupação.
Acontece que não só os assaltantes que a polícia perseguia naquele dia eram apenas três – os agentes do GOE estavam em franca superioridade numérica –, como nenhum deles disparou contra os agentes. Encontravam-se num Mini, com o qual tencionavam continuar a fuga depois do assalto com violência que tinham feito a uma carrinha de transporte de valores, na Estrada do Paço do Lumiar, quando perceberam, já em Queluz de Baixo, que estavam cercados por duas carrinhas da PSP. Tentaram escapar, mas o assaltante que ia ao volante foi atingido pelas forças da autoridade com um tiro na nuca. O Mini acabou por chocar contra uma das carrinhas da polícia – ou numa derradeira tentativa de fuga, ou porque o condutor tinha morrido entretanto.
Por outro lado, soube-se que a PSP, que investigava o grupo de assaltantes havia quase um mês, tinha colocado localizadores não apenas no Mini mas também noutro veículo igualmente roubado e usado pelos assaltantes, um BMW. Como neste período os suspeitos cometeram vários delitos, não teria sido mais prudente prendê-los numa ocasião menos perigosa? Se os agentes dos GOE envolvidos nos disparos tiverem de responder em tribunal por homicídio ou tentativa de homicídio, uma vez que os sobreviventes ficaram feridos, é sobre estas questões que os juízes terão de se debruçar também.
Polícias ficaram feridos
“Solicitámos à Inspecção-Geral da Administração Interna esclarecimentos detalhados sobre o que se passou”, confirma o presidente da comissão de direitos humanos da Ordem dos Advogados, Castanheira Neves. O PÚBLICO perguntou ontem àquele organismo se tinha aberto algum inquérito ao caso, mas não obteve qualquer resposta. Tentou também saber, sem sucesso, se algum dos agentes da PSP foi constituído arguido.
Certo é que os dois sobreviventes do assalto – no qual também ficaram feridos polícias, devido ao embate do Mini – foram já colocados em prisão preventiva. Perigo de fuga e de continuação da actividade criminosa, bem como de destruição de provas, estiveram na origem da aplicação desta medida de coacção. Indiciados dos crimes de roubo qualificado, detenção de arma proibida, receptação e furto qualificado, têm antecedentes criminais: um foi condenado a pena suspensa de cinco anos de prisão, enquanto outro foi condenado pelo crime de evasão.
No dia 29 de Dezembro atacaram o vigilante de uma empresa de transporte de dinheiro com murros e pontapés, apontando-lhe uma arma à cabeça. Roubaram-lhe uma mala com cem mil euros e dois sacos, um com 300 e outro com 600 euros. “Não tinham profissão e viviam da subtracção violenta de valores, nomeadamente através dos assaltos em dependências bancárias ou dos CTT, de terminais multibanco ou de carrinhas de valores”, refere uma nota informativa da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa.
Logo nessa sexta-feira o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, elogiou a actuação das forças policiais. Poderá não ter sido informado das circunstâncias que rodearam a operação dos agentes do GOE. E o condutor do Mini ainda não tinha morrido.