Na cama desenham-se vielas de telefones, lenços de papel e bolos. Bairros de lanternas, malas de mão, ursos, escovas de cabelo e almofadas. Cidades tecidas com o que resta da vida, nos lençóis sujos, peganhentos das longas colheradas de açúcar despejadas no chá. Colam-se-lhe amarguras, tristezas. Filhos perdidos. Filhas adoptadas. Netos violentos.
- Como está o chá, Victoria? - Pergunto.
A mão move-se numa paralisia de dedos quebrados. Corpo hirto. Metáforas de exigências insaciáveis. Insatisfeitas. Vontades inquebráveis.
- Mais açúcar, querida. - Responde, poisando a chávena em sonoros movimentos subtis. Investidas contra a mesa procurando o ínfimo espaço disponível.
Intragáveis chás adoçando os dias passados em solidão. Fechada. Circular. Olhos no chão. A infelicidade cristaliza-se doce nas paredes. Pinta o ar de um tom pálido. Necessidades, urinas, bolores e fermentos.
Prime o botão da campainha uma e outra vez. E ainda outra. Botão reprimido numa agonia sonora. Passos que se agigantam e lhe trazem, à míngua, as notícias do dia. Dengoso. Ecos do exterior vomitados à mesa que lhe suporta os dias.
Victoria bombardeia-nos com perguntas. Ladainhas repetidas.
- Quem está a trabalhar contigo, querida? E amanhã? E de noite? Não consigo ouvir-te! Vem aqui, não consigo ouvir-te. Não consigo ouvir-te.