O futuro da ERC

O modelo da regulação dos media está em permanente ponderação e reconstrução.

A falta de consenso no caso Media Capital/Altice entre os três membros do último Conselho Regulador da ERC voltou a colocar na ordem do dia o debate sobre o modelo institucional de regulação da comunicação social.

A ERC existe há mais de 11 anos. Iniciou a sua atividade em fevereiro de 2006, após a revisão constitucional de 2005, onde PS e PSD entenderam que era necessário aperfeiçoar o modelo então vigente — uma Alta Autoridade para a Comunicação Social com uma direção de 11 membros (tivera 13 de 1990 até 1998), mas com uma gritante insuficiência de quadros técnicos que habilitassem o regulador a responder cabalmente aos desafios que se lhe colocavam. O elenco de atribuições e competências não parou de crescer nos últimos anos, tanto mais que a ERC herdou muitas das que estavam antes adjudicadas à estrutura da Administração Pública relacionada com as políticas de comunicação social, hoje praticamente inexistente.

Recorde-se, aliás, que a regulação da comunicação social em Portugal se iniciou em torno de um Conselho de Imprensa (1975-1990), uma espécie de tribunal moral criado por lei (ao invés da experiência de auto-regulação de inspiração britânica que contagiou muitas outras democracias ocidentais), e, entre 1976 e 1983, de quatro conselhos de informação (RTP, RDP, Imprensa e ANOP), com uma composição parlamentarizada que visava assegurar o pluralismo e a independência do setor público de comunicação social face ao poder político. Esta experiência pouco inspiradora dos conselhos de informação, continuada por um Conselho de Comunicação Social (1983-1990), que, embora com uma composição diferente (eleição por dois terços da Assembleia da República) e bem maior eficácia nos seus trabalhos, viria a ser irremediavelmente confrontada com a limitação da sua atividade ao setor público de comunicação social quando, a partir da segunda metade dos anos 80, se concretizaram a privatização dos jornais estatizados, a legalização de centenas de rádios locais e, no início dos anos 90, a abertura da televisão à iniciativa privada.

O modelo da atual ERC, bem como a sua estrutura dirigente e o recrutamento de quadros para os diferentes departamentos, concretizados, com notável acerto e sucesso, no primeiro mandato (2006-2011), constituem uma evidente melhoria face às anteriores experiências.

Todavia, o modelo da regulação dos media está em permanente ponderação e reconstrução. Não apenas porque os media evoluem, implicando uma reanálise das fronteiras da regulação, mas porque essa reflexão é inevitavelmente contaminada pelas experiencias estrangeiras. Recorde-se que, criada na sequência do fim do monopólio da televisão pública e resultante da necessidade de escolher de forma independente os operadores privados e arbitrar a concorrência entre estes e o operador público, a regulação dos media existe desde os anos 80 em praticamente todos os países europeus, tendo hoje um relevante e bem mais vasto papel, que será mesmo sublinhado em breve na revisão da própria Diretiva Europeia dos Serviços de Comunicação Social Audiovisual.

Uma das matérias mais polémicas tem a ver com o modelo do regulador e o seu âmbito. Em alguns países (Grã-Bretanha, Itália, Finlândia, Suíça e Áustria), a convergência entre media, comunicações e Internet conduziu a uma fusão num organismo único da regulação dos conteúdos e das redes de comunicações. Em Espanha, desde 2013, existe mesmo um regulador que abrange os setores da energia, telecomunicações, audiovisual, concorrência, transportes e serviços postais, embora continuem a existir reguladores exclusivamente para os media, a nível autonómico, na Catalunha e na Andaluzia.

Considero essa hipotética convergência da regulação, claramente minoritária a nível europeu, um erro crasso.

Em primeiro lugar, porque a regulação da comunicação social tem como objetivo e natureza essenciais a defesa dos princípios e direitos subjacentes à atividade dos media (direitos dos jornalistas, pluralismo e transparência, entre outros), assim como dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos relativamente aos conteúdos dos media, enquanto a regulação das comunicações é primordialmente económica. Em segundo lugar, porque constituem uma ínfima minoria os processos que envolvem simultaneamente a regulação dos media e a das comunicações, sendo suficiente um mecanismo de articulação entre as duas entidades. Aliás, ao contrário de todos os reguladores convergentes europeus, exceto a Itália, a ERC tem também competências sobre a imprensa, constituindo até este meio o principal objeto de queixas dos cidadãos sobre conteúdos, desde o rigor informativo ao direito de resposta. Em terceiro lugar, porque uma eventual integração dos dois reguladores (ERC e Anacom) estaria bem longe de constituir uma relevante sinergia de meios humanos e financeiros.

Isso não significa que o modelo institucional da ERC não deva ser questionado. Desde logo, reponderando as novas fronteiras da regulação, tendo em conta o crescente impacto dos novos media e a necessidade de redefinir o conceito de órgão de comunicação social. Por outro lado, conferindo maior visibilidade às deliberações do regulador. Foram demasiado excecionais as deliberações cuja parte conclusiva foi obrigatoriamente divulgada pelos órgãos de comunicação em causa. Finalmente, corrigindo o quadro legal de eleição dos membros do Conselho Regulador e sobretudo do quinto elemento, que desde o primeiro mandato é depois eleito seu presidente. Pela terceira vez, o nome desse quinto elemento, que a Constituição e a Lei impõem que seja cooptado pelos quatro outros membros, designados através de uma votação parlamentar que exige uma maioria qualificada de dois terços dos deputados, foi consensualizado antes disso pelas direções dos partidos que asseguram essa maioria, e posteriormente meramente ratificado pelos membros eleitos pelo Parlamento. Um eventual regresso ao método proporcional, como nos conselhos de informação, ou a presença de membros eleitos pelos regulados, o que seria insólito no quadro europeu, não constituem alternativas aceitáveis ou benéficas, mas o modelo atual deve ser corrigido.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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