Nas ocasiões em que nos media rebentam ondas de irritação e indignação e a opinião pública parece submetida a um fenómeno de hipnotismo (e esses momentos, como temos presenciado, sucedem-se a um ritmo cada vez maior e têm aumentado de grandeza), é bem visível a massa que os mass media fazem. Para percebermos o que significa fazer massa talvez seja útil recorrer a um distinção, elaborada pelo sociólogo Gabriel Tarde já no final do século XIX, entre público e multidão. A multidão é um tipo de colectivo em que os seus membros estão presentes uns para os outros, num mesmo momento e num mesmo espaço, de tal modo que os processos de condicionamento e afectação se propagam de modo horizontal e bidireccional. O público, esse, só pôde nascer depois da invenção da imprensa, quando se tornou possível transportar o pensamento à distância. A característica principal dos media – aquela que está no princípio – é a constituição de públicos, o poder de os gerar. Os membros do público estão separados uns dos outros e reagem isoladamente. O que os media de massa fazem é sincronizá-los, reunindo-os em torno de certos debates, acontecimentos e questões momentâneas, operando fenómenos de imitação e de sugestão (uma forma de hipnotismo), em que cada um é convidado a exprimir a sua posição, isto é, a situar-se em relação a esses problemas. Com a Internet e as redes sociais, o público passou a poder partilhar as suas reacções em tempo real, a manifestar as suas afectações e a entrar numa cadeia de condicionamentos emotivos porque se suprimiu a distância entre eu e o mundo, entre eu e os outros. A essa distância pode-se chamar espaço de pensamento. Daí que estejamos hoje confrontados com novas modalidades de propagação horizontal própria das multidões. Na verdade, a interacção cada vez mais estreita entre os media de massa e as redes virtuais fez com que os fenómenos de público se pareçam cada vez mais com fenómenos de multidão. E é hoje evidente que o público e a opinião devem ser tratados como conceitos psico-sociológicos, como fez Gabriel Tarde, de modo pioneiro. O trabalho de sincronização que os media de massa efectuam assenta em grande parte nas potencialidades da irritação. Foi Niklas Luhmann, um dos mais importantes sociólogos do século XX, conhecido sobretudo pela sua teoria dos sistemas, quem descreveu os media como sistemas de circulação que produzem figuras de irritação que estão sempre a ser renovadas. Colocando a ideia da auto-referencialidade dos media no centro da sua análise, enquanto “sistemas auto-poiéticos” (isto é, voltados para o seu próprio fazer), Luhmann mostrou que eles, mais do que informar, sensibilizam-nos de maneira selectiva, chamam-nos a participar em certas irritações e a tomarmos uma posição relativamente a elas. E isso numa escala muito maior do que aquela que resulta da proximidade física dos corpos da multidão. A sociedade conformada pelos media de massa é uma sociedade irritada pelas mesmas coisas ao mesmo tempo, trabalhada pela simplificação e pelo esquematismo. Cada vez mais permeável à lógica das irritabilidades, sem instrumentos para dela se defender, a política tornou-se um espectáculo estéril e histérico de irritações que se sucedem ininterruptamente, voltada muito mais para a reacção do que para a acção. O jornalista diz, irritado, e achando que a sua irritação é a mais poderosa do mercado, “demita-se o ministro”, a oposição faz eco e repete “demita-se o ministro”, e o ministro responde: “Não me demito”. Esta é a cena-modelo da política do nosso tempo e o seu movimento é o do eterno retorno.
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