Poesia: o melhor do ano
Escolhas de António Guerreiro e Hugo Pinto dos Santos.
9
ex aequo
Poemas Obsoletos de Um Bicho Imóvel
Nunes da Rocha
Averno
Qualquer obsolescência, a haver, consistiria apenas em estarmos perante uma poesia de uma franqueza expressiva raramente dotada de prumo tão seguro. Nada, ou quase nada, é, nestes versos, como um deles diz, “figura de estilo”. Porque esta poesia opera o raro feito de andar entre ruínas com passo sempre seguro. H.P.S.
9
ex aequo
Fiat Lux
Eduarda Chiote
Afrontamento
É espantoso que uma autora com a idade de Eduarda Chiote reúna neste livro um conjunto de quarenta e sete poemas que têm a força e a coragem de quem está no auge do seu percurso. É uma poesia visceral, trágica, que parece vir do começo do mundo ou do lugar onde a vida e a morte começam e recomeçam. A.G.
7
ex aequo
Rosto, Clareira e Desmaio
Miguel-Manso
Douda Correria
A propósito de Rosto…, o poeta falou da ideia de um libreto. Pensado como base para um espectáculo teatral, e partindo de um trabalho do antropólogo Paulo Valverde, este livro é um objecto subtilmente multidisciplinar. Nele se cruzam, de forma instigante, as gramáticas poética, dramatúrgica e etnográfica. H.P.S.
7
ex aequo
Nadar na Piscina dos Pequenos
Golgona Anghel
Porto Editora
Talvez neste livro Golgona Anghel corra às vezes o risco de carregar demasiado nalguns traços do seu estilo (nomeadamente a ironia e o cómico), transformando-os em tiques. Mas nem por isso, aqui, a sua poesia deixa de ter a subtileza e a força que lhe tem sido reconhecida, ao mesmo tempo acaricia e destrói tudo aquilo em que toca. A.G.
5
ex aequo
Caim/Lilith
Sandra Andrade
Douda Correria
Um discurso ardentemente erótico. Uma poesia cuja linguagem é singularmente capaz de atacar de frente a máxima dificuldade que há em textualizar a luta entre mente, corpo e sexo. Luta até à última gota de sangue. Poesia implacavelmente encarregada de desferir o seu golpe letal no olho desse furacão. H.P.S.
5
ex aequo
Tardio
Rosa Oliveira
Tinta da China
É o segundo livro de Rosa Oliveira e confirma bem o que já se tinha percebido no primeiro: que se trata de uma poesia culta e com uma consciência muito forte dos processos poéticos. Mas sem cair nos exercícios inócuos da metapoesia e capaz de um ludismo que não é incompatível com um desencanto muito controlado. A.G.
3
ex aequo
Tão Bela Como Qualquer Rapaz
Andreia C. Faria
Língua Morta
Foi uma grande revelação, este livro, num ano em que é de toda a justiça incluir muitos nomes femininos nesta lista (à qual seria justo acrescentar Elisabete Marques). O título, na sua suavidade, engana, já que esta poesia é dura, forte e não se compadece com belas aparências, de rapazes ou raparigas. A.G.
3
Preparação para a Noite
Jaime Rocha
Relógio D’Água
No limite da comunicabilidade, três figuras traçam a sua presença como enigmas irresolúveis. As suas palavras desafiam mistérios, os seus gestos ferem cenários espectrais, os seus passos cruzam fronteiras incertas. A concepção destes seres atesta a força criativa e o poder discursivo da poesia do autor. H.P.S.
2
Canícula
Daniel Jonas
Língua Morta
Daniel Jonas fez uma residência artística em Lisboa e daí resultou este livro, que é quase uma ficção narrativa. Tão poderoso ele é, tão acima da convencional poesia urbana, que toda a memória que guardarmos destes poemas servirá para estranharmos os lugares de que eles falam, por mais familiares que eles sejam para nós. A.G.
1
Últimos Poemas
José Miguel Silva
Averno
O estro clássico desta poesia está na firmeza sem concessões de uma expressão exacta e isenta de ornamentos fúteis; no entanto, ela crava-se firmemente no complexo histórico em que lhe foi dado existir. Daí que todo o seu investimento formal – na escolha precisa e engenhosa do léxico, no manejo perfeito da sintaxe e do verso, na plenitude composicional de uma poesia de notável maturidade retórica – se faça em prol de uma atenção o mais isenta possível a descalabros vários e à feição rigorosa da “cifra detestável deste mundo/ que nos torna, dia a dia, mais pequenos”.
Um dos mais notáveis feitos desta poesia consiste na forma como a preocupação e o agastamento nunca encurralam os versos do autor no beco sem saída da demagogia. Pelo contrário, o cuidado posto no estado do mundo acompanha a vigilância com que se zela pela manutenção de uma dignidade que se projecte também na poesia de José Miguel Silva, mesmo quando esta descreve “a corrente de facadas e suturas/ a que chamamos progresso”. H.P.S.